Golpe contra Dilma e o PT pode ser tiro no peito dos próprios capitalistas

21/11/2014 03:54
"O Governo do Estado moderno é apenas um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia.” (Marx e Engels, no Manifesto Comunista, 1848)
Por Landim Neto     Foto: Agência Brasil

Está em pleno curso tentativa de golpe contra o governo do PT. Os mais tolerantes e sensatos se esgoelam pela volta da ditadura militar para garantir a democracia. Os mais democráticos e justos berram pelo impeachment, sob a alegação de que Dilma ganhou por diferença mínima de votos no segundo turno. E os mais sérios e transparentes, via ministro Gilmar Mendes, maquinam tramoias no TSE para impedir que a atual presidente seja reempossada. Se efetivado, qualquer viés dessa natureza passa somente um atestado histórico de idiotice da burguesia, nacional ou estrangeira, algo que contraria até liberais de peso, como o ex-ministro Delfim Netto. E pode ser um tiro no peito dos próprios grandes capitalistas que por ventura estejam nos bastidores a incentivar o golpismo. Basta ver sem paixões alguns fatos.

Pagamento religioso de juros da dívida pública junto a banqueiros

O PT não tomou o poder no Brasil. O PT somente se credenciou, com muita astúcia e trabalho persistente, a ser o gerente maior dos negócios capitalistas via governo, para fazer o que, em linhas gerais, a burguesia mandasse. Tudo foi inclusive anunciado na famosa "Carta ao povo brasileiro", enviada por Lula em 2002, que deu o tom claro do que seriam os governos petistas de 2003 para cá. Ou seja, voltados para gerenciar as crises do próprio capital, na perspectiva prioritária de manter em ascensão os altos negócios dos burgueses, em particular os referentes "ao respeito aos contratos e obrigações do país" (está textualmente nessa carta), leia-se, pagamento religioso de juros da eterna dívida pública junto a megaespeculadores do sistema financeiro. Ver gráfico.

Reforma da Previdência

O simples fato de manter essa política criminosa de desviar quase a metade do que se arrecada em impostos e taxas  no país para honrar acordos com banqueiros e grandes empresários, já diz a quem de fato o governo petista mais interessa. Mas não é só. Lula, logo em 2003, tal como também se comprometera nessa mesma carta, fez a famosa Reforma da Previdência, via mensalão. Essa reforma, cujo objetivo maior foi e é cobrir rombos dos grandes capitalistas, abriu um lucrativo mercado aos fundos de pensão, taxou os inativos do serviço público e criou muitas dificuldades para as aposentadorias dos servidores ativos desse setor, algo que o governo FHC não conseguiu fazer, sobretudo pela oposição do próprio PT à época.

Liberação de impostos ao empresariado
 

Os governos do PT também honraram e honram um dos pontos principais anunciado da mesma forma nessa sua epístola de 2002: "desonerar a produção", leia-se, liberar grandes empresários de pagar impostos para garantir que fiquem cada vez mais ricos. Neste sentido, em junho de 2014, Dilma reeditou medidas já aplicadas no governo Lula, como o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), o Reintegra e o Refis. O PSI refere-se a juros subsidiados para financiamentos feitos por empresários. O Reintegra é a devolução de até 3% dos impostos recolhidos pelo governo aos exportadores. E o Refis libera financiamentos às empresas que devem impostos ao Governo Federal. E apenas em 2013, segundo o Dieese, houve ainda registro de desoneração da folha de pagamento em 56 setores econômicos. A desculpa foi e é a de sempre: incentivar o empresariado por conta da crise mundial iniciada em 2008. Resultado: apesar da crise, mais lucros aos grandes empresários. Ver quadro.

Mas Dilma e o PT não são hoje essenciais aos muitos ricos apenas porque na prática fazem o que estes mandam. Aécio, FHC, Alckmin, e todos os demais agentes hoje da direita oficial poderiam fazer bem melhor, vez que historicamente sempre foram mesmo alinhados aos interesses dos grandes capitalistas e ideologicamente têm a total confiança da burguesia. Até a Marina poderia também fazer. Qual a diferença então, em relação aos governos do PT?

Ora, o PT, pela sua própria origem, se construiu em bases muito diferentes do PSDB e côngeneres, ou seja, no terreno dos movimentos e das lutas sociais. Entre 1985 (início do governo Saney) e 2002 (fim da era FHC), ocorreu no Brasil uma média de 4.375 greves, como mostra o quadro ao lado. Na amplíssima maioria delas, o PT esteve na linha de frente das mobilizações. E hoje é ainda o PT quem dirige, com folga, a ampla maioria dos sindicatos de operários e servidores públicos no país, sem falar numa infinidade de outras organizações, como associações de bairro, entidades estudantis etc. Só a CUT, poderoso braço dos governos petistas no movimento sindical, conta com 3.820 entidades filiadas e 7.890.353 sócios, o que perfaz um contigente de 24.062.754 de representados. Ver rodapé do site

Também como fortíssimos aliados do governo petista têm a UNE e o MST. A primeira, de larga tradição nas lutas estudantis até o PT chegar ao Palácio do Planalto, foi grande destaque no Fora Collor. O segundo dispensa comentários e, só de 1995 a 1999 (governo FHC), organizou com êxito 1.885 ocupações de terra no Brasil, segundo o estudo "O MST e a Questão Agrária", acessível em: clique.

Embora também organizem greves e ocupações de terra nos governos do PT, os petistas e seus aliados nos movimentos sociais impõem sempre limites bem definidos às mobilizações, mesmo que não tão visíveis às bases que representam. Nada pode ir além do que configure um abalo sério ao pacto de fidelidade estabelecido desde 2003 entre o governo do PT e os grandes capitalistas. No campo da colaboração de classes, é nisso que reside a enorme diferença entre uma gerência do Partido dos Trabalhadores e as possíveis outras de qualquer partido político no Brasil. Caso venha a ser destronado da presidência da república, em particular sob o golpismo sujo e humilhante em maquinação, o mais certo é que tudo mude de figura. O poderoso arsenal de experientes  ativistas que o PT ainda tem sob sua direção e influência certamente passará a agir de forma muito diferente. Isto, evidentemente, só traria instabilidade aos escusos negócios da burguesia. Ora, que grande capitalista hábil iria trocar no atual momento brasileiro um gerente (como o PT) que controla, por exemplo, greves de trabalhadores por um que é totalmente estranho a essa seara, como por exemplo o PSDB? Só loucos ou idiotas agiriam assim.

Há ainda outro fator de peso que faz do governo petista um tesouro para os grandes capitalistas, a infuência que tem sobre lideranças da América Latina, em particular quanto à capacidade de intervir e apaziguar eventuais conflitos que surjam nessa região contra os países imperialistas. Não à toa, Obama disse que Lula "é o cara".

Talvez por tudo isso é que até o ex-ministro Delfim Netto, um liberal convicto, tenha deixado de forma clara em recente entrevista ao Estadão que não concorda com o golpe contra Dilma e o PT. Delfim, ainda que de maneira indireta, chega inclusive a chamar os golpistas de idiotas. Afinal, o ex-ministro é inteligente e sabe que o "Governo do Estado Moderno" continua a ser aquilo mesmo que Marx e Engels vaticinaram em 1848 e que ilustra a epígrafe deste artigo, isto é, "um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia". E, na atual conjuntura brasileira, nenhum outro grupo político, Delfim sabe também, é mais qualificado e fiel para estar à frente dessa coisa que o PT.

Ler Carta ao povo brasileiro

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