Alianças ou vale-tudo eleitoral?

29/06/2012 08:36

Por Homero de Oliveira Costa, prof. de ciência política da UFRN.

“Uma das mais difíceis virtudes do ser humano é a coerência. Alguns tentam mantê-la em todos os momentos da vida. Quase impossível. São muitas tentações e encruzilhadas. Somos humanos e contraditórios” (Tostão, ex-jogador de futebol, médico e cronista esportivo).

Se manter a coerência ao longo da vida é difícil para as pessoas, em geral, o mesmo não se pode dizer em relação aos partidos políticos. Raro mesmo é haver coerência e creio que as alianças e coligações eleitorais para as eleições de outubro no país  e o encontro recente de Lula e Fernando Haddad, candidato a prefeito de São Paulo pelo PT, com Paulo Maluf, do PP,  para “selar” uma aliança para as eleições municipais de São Paulo, em particular,  ilustram a afirmativa. No caso do encontro de Lula, Haddad e Maluf, ao que parece, causou constrangimentos e desconfortos entre alguns petistas e até mesmo entre os eleitores de São Paulo. O apoio de Maluf é rejeitado por 62% dos eleitores, segundo mostra a pesquisa concluída no dia 26 de junho (terça-feira) pelo Datafolha. Entre os que declaram preferência pelo PT, a reprovação da aliança foi de 64%. Não apenas foi rejeitada pelos eleitores em geral como levou a uma crise na campanha petista, com o abandono da chapa da ex-vice Luiza Erundina (PSB). Sua desistência, em protesto contra a aliança do PT com um dos seus adversários históricos, teve ampla aprovação popular: 67% dos eleitores disseram que ela "agiu bem".

No entanto, se analisarmos as alianças e coligações eleitorais no país, Lula agiu dentro da lógica, com o pragmatismo que sempre o caracterizou e o apoio de Maluf não deveria causar tanta celeuma porque, afinal, Maluf apoiou o PT no segundo turno das eleições de 2004 para a prefeitura de São Paulo (Marta Suplicy) e o PP, partido de Maluf, é da base de apoio do governo. E mais: o PT já fez diversas alianças e coligações até mesmo com o PSDB (o vice-governador do primeiro governo do PT no Acre, por exemplo), foram aliados em centenas de cidades nas eleições municipais de 2008 e estão juntos, para se restringir a esse caso,  na ampla aliança (25 partidos!) para a reeleição do atual prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB).

O que talvez o episódio possa servir é para se pensar a forma como se dão as coligações partidárias no Brasil, que, a meu juízo, se constituem numa das mais graves patologias do nosso  sistema politico. Adversários de ontem se convertem em aliados de hoje e possivelmente adversários novamente nas próximas eleições. Não há um mínimo de coerência em sua constituição e elas não se prolongam em coalizões consistentes pós-eleição.

No livro “Coligações partidárias na nova democracia brasileira” (organizado por Silvana Kraus, Humberto Dantas e Luís Felipe Miguel/Unesep. 2010), diversos artigos procuram compreender a fragmentação do quadro partidário brasileiro e da precária representatividade dos mecanismos eleitorais. Silvana Krause no artigo “Coligações: o estado e o desafio da arte” utilizando dados de diversas eleições demonstra que, em grande medida, a política nacional é refém dos acordos e conflitos entre os chefes partidários nos estados, que seguem uma lógica própria.

O que prevalece em relação ao que Florestan Fernandes chamava de “partidos da ordem”(que inclui toda “base aliada do governo”, e a oposição conservadora como DEM, PSDB, PPS etc), ou seja, a imensa maioria dos partidos,  é o pragmatismo, o que explica as mais variadas alianças, no qual o único principio é o de ganhar as eleições.

A causa está no sistema de representação brasileiro que combina um sistema eleitoral de listas abertas (com poucos exemplos no mundo) com ampla liberdade de coligações, produzindo um efeito perverso que é uma enorme transferência de votos de um determinado partido a outro e como disse o cientista político Renato Lessa “sem autorização prévia do eleitor” (que vota num candidato e pode ajudar a eleger outro) distorcendo assim a representação. Para Lessa, a forma como são feitas as alianças e coligações no Brasil são inteiramente injustificáveis e nada saudáveis para a imagem pública dos partidos (“Presidencialismo com representação proporcional ou de como evitar a escolha trágica entre governabilidade e representação”).

Há solução? Há. Uma delas tem sido defendida pelas comissões de reforma política no Congresso (apresentadas nos relatórios finais, mas nunca compreensivelmente votadas e aprovadas em plenário) que proíbe às coligações em eleições proporcionais. Se aprovada, os candidatos seriam eleitos com votos de seu próprio capital eleitoral, o que não ocorre atualmente. Mantém-se o sistema proporcional, mas, nesse caso, apenas os partidos capazes de eleger representantes sozinhos teriam direito à representação, ou seja, cada partido obterá cadeiras proporcionais aos seus votos.

Em síntese, se as coligações são fundamentais para os partidos (porque também interessam aos grandes partidos, ampliando o tempo no horário gratuito de radio e televisão) contribuem para a fragmentação partidária e servem mais para enfraquecer do que fortalecer os partidos políticos porque como disse Mino Carta são alianças de ocasião, seladas ao sabor do oportunismo contingente. Portanto, sem base em programas e projetos comuns, mas em conveniências eleitorais.

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