O Congresso e a lei da ficha limpa

09/06/2012 09:59

Por Homero de Oliveira Costa, prof. do Departamento de Ciências Sociais da UFRN

 A Lei da Ficha Limpa foi uma das poucas leis de Iniciativa Popular – prevista na Constituição de 1988 - que foi aprovada no Congresso Nacional.  Foram apenas quatro leis aprovadas até agora: a primeira foi à lei de crimes hediondos aprovada em 1994 (ela foi editada pelo governo Collor em 1990 e classificou como inafiançáveis os crimes de sequestro, tráfico e estupros e negou aos seus autores os benefícios da progressão da pena, obrigando-os a cumprir 2/3 da condenação em regime fechado. A Lei foi alterada em 1994, através da lei 8.930/1994. A alteração incluiu na lei o homicídio qualificado. Esta lei teve grande repercussão na mídia, pois a alteração foi resultado de uma Lei de Iniciativa Popular, que teve mais de 1,3 milhões de assinaturas, encabeçada por Gloria Perez, depois do brutal assassinato de sua filha, a atriz Daniela Peres, ocorrida dois anos antes). A segunda lei aprovada foi a que tornou crime passível de cassação a compra de votos (apresentado em 18 de agosto de 1999 de 1999 e sancionado em 29 de setembro do mesmo ano), a terceira a que criou o Fundo Nacional de Habitação (protocolada em janeiro de 1992 e só foi sancionada em 2005) e a mais recente, a Lei da Ficha Limpa, que contou com a assinatura de mais de 1,5 milhões de pessoas e teve à frente o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.

O documento com as assinaturas foi protocolado no Congresso Nacional em setembro de 2009 e quase oito meses depois, no dia 5 de maio de 2010 a lei  foi aprovada na Câmara dos Deputados, com 412 votos a favor e apenas 3 abstenções e no dia 19, por unanimidade, no Senado. No dia 4 de junho de 2010, a lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A lei estabelece que são inelegíveis, por um prazo de oito anos - quem tenha condenações em segunda instância ou tribunal superior ou processo transitado em julgado (em que não se aceita mais recursos). A lei é bastante ampla e não se limita a crimes eleitorais, como, por exemplo, doações e gastos ilegais de recursos de campanhas. São inelegíveis, entre outros casos, ocupantes de cargos na administração pública condenados por abuso de poder econômico, abuso de autoridade, por crimes contra a economia popular, fé pública, tortura, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e racismo.

A questão imediata após a aprovação da lei foi quanto à sua validade para as eleições de 2010. No dia 23 de março de 2011, depois de alguns meses de discussão, o Supremo Tribunal Federal votou por 6 votos a 5 pela invalidade da lei para as eleições de 2010.

Pouco depois no dia 11/04/2011, O Conselho Federal da Ordem dos Advogados decidiu, por maioria de votos, ajuizar uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Tribunal definisse os termos da validade da lei. Para o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, “é essencial que o Supremo se manifeste rapidamente e em definitivo sobre a constitucionalidade dessa lei para que não haja mais insegurança jurídica ou dúvidas futuras sobre quem poderá ou não ser candidato”. Mais de um ano depois, no dia 16 de fevereiro de 2012, O Supremo Tribunal Federal, decidiu por 7 votos a 4, pela constitucionalidade da lei e válida para as eleições de 2012.

Duas semanas depois, no dia 1 de março, de 2012, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovaram, por 4 votos a 3, a Resolução n. 23.376 que trata da prestação de contas nas Eleições 2012. É a norma que disciplina a eleição municipal de outubro de 2012 e decide que o candidato não terá seu registro de candidatura aprovado caso as suas contas tenham sido desaprovadas na eleição anterior. Segundo dados do próprio TSE são em torno de 21 mil os que se encontram nessa situação. A principal novidade da Resolução foi à exigência de aprovação das contas eleitorais para a obtenção da certidão de quitação eleitoral, documento necessário para o registro da candidatura e a definição das regras para a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos, candidatos e comitês financeiros, bem como para prestação de contas da utilização desses valores.

No dia 14 de março de 2012 – duas semanas depois da aprovação da resolução do TSE -  numa união considerada inédita, os presidentes e representantes de 18 partidos políticos – entre governistas e oposicionistas (como o DEM, PSDB e PPS) - assinaram uma moção pedindo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que reconsidere a resolução que impede os candidatos que tiveram as contas rejeitadas na última eleição de participarem das eleições deste ano. O documento manifesta apoio integral à petição que já havia sido apresentada pelo PT ao TSE questionando a resolução 23.376/12.

Como não houve a reconsideração por parte do TSE, no dia 22 de maio de 2012, foi aprovado na Câmara dos Deputados (à noite), numa votação simbólica por todos os partidos – com exceção do Psol – um Projeto de Lei (n. 3839/2012) que permite aos políticos receberem o registro eleitoral mesmo quando tiveram suas contas reprovadas.

Na prática, revoga a decisão do TSE, que, como vimos, veta o registro de candidaturas de quem teve suas contas eleitorais rejeitadas.

O PL está para ser votado no Senado. Se for aprovado sem alterações, segue para sanção ou veto presidencial.  

A questão é: como compreender e respeitar a decisão de um congresso que vota de forma quase unanime pela aprovação da Lei da Ficha Limpa e agora, sem qualquer discussão com a sociedade, aprova um projeto de lei que permite aos chamados “fichas sujas” se candidatarem?  Uma Nota de Repúdio ao Projeto de Lei do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, publicada no dia 23 de maio de 2012, critica a Câmara dos Deputados que “sem qualquer debate popular aprovou lei que anistia os políticos que fraudaram suas prestações de contas de campanha” e que “atenta contra tudo o que deseja a sociedade brasileira, que se encontra mobilizada em favor dos valores da ética e da moral, que devem presidir as declarações do Parlamento”.

Resta agora esperar pela decisão do Senado. Na referida Nota de Repúdio, o MCCE conclui dizendo “Esperamos do Senado Federal a rejeição sumária dessa matéria, enquanto convidamos toda a sociedade a se manifestar contra esse ato atentatório à própria imagem do Congresso Nacional”.

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