Um profundo artigo sobre a Autoridade do Professor

29/10/2015 14:42

O tempo está fora dos eixos/O ódio maldito
ter nascido para colocá-lo em ordem  (...)”

Hamlet, Shakespeare 

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Por Silas Correa, Jornalista Comunitário. Sou do tempo em que um Professor ganhava igual a um juiz. Em que os pais tinham poder e competência, isto é, amavam, mas promoviam as necessárias sanções. Em que a Família era tudo e, a Escola por ela mesma, um degrau para a escala social. Bons tempos aqueles. Mas os tempos mudaram, como o tempo nos muda de nós mesmos, muda tudo, tivemos revoluções, utopias, sonhos, seqüelas, pois na seqüência o estado falhou, no flanco o quinto poder da violência e, quando vemos, nem temos mais a autoridade do estado, nem a família tem mais estrutura, e acabamos na encruzilhada da escola, sem saber como - no dia-a-dia de uma sala de aula - prevalecer uma autoridade que, por si só, seja humanista, ética, funcional, e ainda abarque todas as conseqüências dessas desestruturas todas, no rol histórico no mundo em que vivemos. Antes era o tal “Mondo Cane”. Hoje o “mundo está em pane”.

O sonho acabou, o totalitarismo fomentou muros, no flanco o neoliberalismo globalizou a informação, mas, trouxe, de contra-peso, a impunidade, a tal nova ordem econômica mundial e uma juventude bem diferente daqueles topetudos jovens que fomos, e soubemos ou não soubemos ser, porque a nossa rebeldia era contestar com o amor e flor, quem fazia a guerra não fazia amor, a Guerra do Vietnã e o Agente Laranja. Hoje os tempos tenebrosos (para citar Bertold Brecht) são outros, o aluno fica entendiado na escola, a sala de aula por ela mesma não é nada com tantas informações que traz de casa, é, por assim dizer, abduzido pelas culturas juvenis também como forma de protesto emergente,  e então perguntamos: e a tal Autoridade do Professor?. 
 
Copiar lições? Nem pensar. Só ouvir? Não, querem confundir, chamar atenção, discordar; o consumismo, o modismo, a última tecnologia, e o professor ali, feito um papagaio de pirata, não sabe se toca a aula inócua, se dança um rap de repente, se otimiza a aula pela tentativa de diálogo, porque só apagador e giz não vai resolver, só o simples sistema de passar conteúdo é pouco, a didática real tem que atrair o jovem, inspirar o jovem, e, certamente, nem todo educador está preparado para esse chamado olho de furacão. Já pensou? 
 
Se Paulo Freire valoradamente já dizia que ninguém sabe tudo, assim como ninguém é ignorante de tudo, hoje o jovem tá ligado na net, tá a fim de outros saberes, em que o celular é mais importante do que uma lousa fria, e em que o agitado grupo de rua (a turma barra pesada ou não) aparece e brilha num contexto imediatista, tudo isso é mais interessante do que copiar lições, ficar colado numa carteira incômoda. Banalizada a violência, banalizada a cultura (adeus às tradições), o que o jovem busca é diferente do que a escola pode oferecer num primeiro momento, ou mesmo a médio e longo prazo. E o tempo do jovem é aqui e agora. 
 
Aquele “cérebro-barrinha-de-cereal” não aceita mais a gordura letral de uma cultura que já deu o que tinha de dar, e na escola não acrescenta a cultura da clientela ao conteúdo. E o consumo é estético, não de conteúdo humanista. 
 
Aquela “barriga de tanquinho” da musa televisiva, não demonstra que aceita afeto-grude. A relação passageira é promíscua, não tem conteúdo plural-comunitário. Aquele “espírito de skate” (rápido e rasteiro) não quer saber de questionário, trabalho de casa, pitos por comportamentos inadvertidos, o hormônio viça diferente nesses tempos. 
 
Lar? Família? O vazio fluindo, e assim se forma o jovem contemporâneo, feito um receptáculo midiático, desde a apresentadora mãe solteira, o juiz ladrão impune, o professor com tantos cursos e que ganha menos o que um “avião” de boca-de-fumo. Já pensou?  
 
A riqueza do corpo, não a riqueza do conteúdo. A escola perdeu importância, e o Professor ali, aturdido, pirando também, frustrado sim, achando que ele é o culpado, quando os tempos mudaram, as mudanças talvez pioraram a qualidade humana do “humanus”, a sociedade entre a impunidade e a hipocrisia, e o aluno ali, querendo uma “aula viva”, que nem sabe explicar direito o que é exatamente, querendo ser in/formado mas sem ser chateado, querendo aprender mas sem deixar de ser o que acha que é, e nessa relação - num tempo de travessia - o jovem contesta (contestar é a sua maior rebeldia), o professor tem que saber levar, ter postura, ter entrosamento, mas saber que, sim, é muito mais difícil lecionar agora do que era antes. Já pensou? 
 
Hannah Arendt nos diz: “A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele, e com tal gesto salvá-lo da ruína que seria inevitável se não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens(...) E conclui: “A Educação, é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum” (In, Entre o Passado e o Futuro).
 
Essa é a questão, o ponto chave, e o professor precisa se encaixar aí, buscando a sua autoridade nesse meio de alguma maneira, sem ser autoritário, mas, também e principalmente, sendo competente (e hábil) naquilo que faz. Lembro-me que, certa feita, numa pesquisa escolar, foi questionado o que exatamente os alunos esperavam do professor, e, tabuladas as tantas respostas, a primeira foi de que o mestre fosse competente naquilo que ele se propunha a fazer (manjava mesmo do assunto, dominava a matéria, falava bem, tinha paciência, didática brilhante, etc.), e a segunda era de que ele fosse aberto, democrático, liberal, ou seja: soubesse intermediar o jovem nessa difícil travessia de estar na escola mas precisando ser cativado para valorar a escola, estar em sala de aula mas querendo assim mesmo não deixar de ser jovem e livre, tendo no professor um imediato cidadão semelhante ao pai e à mãe que, bem ou mal pode encarar, precisa encarar (formar a persona?) discordar (mesmo às vezes sem saber discordar ou ser imprudente), criticar mesmo sem ter fundamento, fazer o que até nunca pode fazer em casa, mas, mostrar-se ali, marcar seu território, pois, afinal, desafiar é com ele mesmo, mas um desafio que, raso ou não, o professor tem que tentar compreender rapidinho, alertar sem ferir suscetibilidades (os tempos são outros), mostrar pro aluno que captou a mensagem mas não necessariamente acusou o golpe, pois soube se sair bem, lidar com a situação e ganhar com categoria a turma, a sala, o meio, a aula... 
 
Sim, o jovem pensa que pode tudo, busca se afirmar assim. É natural essa postura para a sua idade. E o professor não pode pensar também que pode tudo ou sabe tudo, pois aí estaria se anulando no caminho da mudança, ou se fazendo de omisso de não querer evoluir para melhorar, afinal, Bertold Brecht já dizia “Tudo o que é perfeito e acabado está podre” 
 
Ser jovem não é fácil nunca. Ser professor não é fácil também. Jovem é um tempo, um lugar, uma idade, uma situação. O professor teve o livre arbítrio de escolher a sua profissão, não pode fugir da raia, refugar frente  tantos problemas que, sim, ocorrem na escola o tempo todo. 
 
O aluno não teve opção a não ser estar ali para aprender e aprender a pensar, mas estará na defensiva e com certo medo daquele horrível mundo “adulto” e certamente muito adulterado de alguma forma, pois o jovem nesse estágio de vida e idade até como cidadão em formação e na defensiva, realmente não vai concordar nunca. 
 
Recusarmos esse mundo tal como ele se nos resta, seria recusarmos à nossa própria autoridade de assumirmos o que legamos (de bom ou mau) aos jovens, como se de alguma triste maneira pedíssemos demissão de sermos pais, sermos autoridade, sermos cidadãos ou até mesmo seres humanos. 
 
Que legado é esse? Não, de alguma maneira, não somos inteiramente inocentes. Que mundo é esse? Foi para esse mundo que trouxemos as crianças, os jovens, os alunos, vamos lavar as mãos agora?  E lá vem a filósofa Hannah Arendt de novo: “ ...faz parte da essência da atividade educacional - cuja tarefa é sempre abrigar e proteger alguma coisa – a criança contra o mundo, o mundo contra a criança, o novo contra o velho, o velho contra o novo(...)”.
 
Precisamos e devemos recuperar de alguma forma essa tal “autoridade”, custe o que custar, doa o que doer; ser a autoridade apaziguadora no dia-a-dia, intermediando as idas e vindas das trocas, nas relações de meio, nas somas educacionais, pois, afinal, que alunos queremos? Numa época difícil, numa sociedade que é de tantas riquezas impunes, tantos lucros injustos, tantos contrastes sociais, o jovem é sim, de alguma maneira, por assim dizer, uma seqüela social também, quando não um triste rejeito social dessa mesma sociedade incompetente e inadequada (incompetente e inumana) que podemos estar até representando sem saber, ou até mesmo podemos estar reproduzindo com medo das naturais mudanças que toda época tem, e todas essas épocas joviais, estudantis, significam mudanças, significam evoluções, aprimoramento, muito além do próprio mundo das idéias. 
Você professor, tem autoridade para cair na real?

Título original do artigo: Autoridade do professor

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