Referendos, plebiscitos e reforma política

25/07/2011 21:54

Por Homero de Oliveira Costa, prof. de Ciência Política da UFRN.

Parece haver certo consenso entre os especialistas que sem pressão popular não teremos reforma política no Brasil. No máximo, teremos o que alguns têm chamado de “perfumarias”, que são a aprovação de alguns tópicos dentro de um amplo conjunto de itens, mas sem alterar profundamente o sistema eleitoral e partidário.

Os referendos e plebiscitos são instrumentos importantes de participação popular e deveriam, entre outros itens, constar numa reforma política digna desse nome e mais ainda: se quisermos avançar de uma democracia representativa (com todos os seus problemas) para uma democracia participativa.

Referendos e plebiscitos, como se sabe, são coisas distintas: basicamente, o plebiscito é a consulta feita antes da elaboração da(s) lei(s), enquanto o referendo é feito depois de sua aprovação (para retificação ou rejeição).              

A Constituição brasileira (1988) prevê, em seu artigo 14, que "a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III – iniciativa popular".

A Constituição portanto, prevê a utilização de mecanismos de consulta popular. No entanto,  a lei 9.709/98 estabeleceu que plebiscitos e referendos só podem ser convocados pelo Congresso Nacional. Todas as iniciativas no sentido de ampliar a participação, como a iniciativa popular legislativa, por exemplo,  não foram levadas em consideração, não sendo votadas no Congresso. 

Historicamente a utilização desses mecanismos tem sido muito limitadas no país. São pouquissimos os projetos de Iniciativa Popular aprovados pelo Congresso Nacional, apenas dois referendos foram feitos (l963 e 2005) e um plebiscito (1993).      

Vejamos, resumidamente que se tratam: no dia 6 de janeiro de 1963 foi realizado um referendo sobre o sistema de governo (parlamentarista ou presidencialista) durante o governo de João Goulart, cujo resultado foi uma ampla vitória do presidencialismo (mais de 80%). O parlamentarismo havia sido adotado após a renúncia do presidente Jânio Quadros (24 de agosto de 1961) em função da crise política, com o veto dos militares à posse do vice-presidente João Goulart.  O país teve nesse curto período (1961-1963) três |Primeiros-Ministros. Em janeiro de 19063 foi restabelecido o presidencialismo.

Outro referendo foi realizado  no dia 23 de outubro de 2005 sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e muniçoes. Nesta consulta, os eleitores podiam votar pelo "sim", a favor da proibição, ou pelo "não", contra a proibição. A maioria do eleitorado optou pelo "não", ou seja, pela não proibição.

Quanto a plebiscito foi realizado apenas um,  no dia  21 de abril de 1993, sobre a forma e o sistema de governo no Brasil (Presidencialismo ou Parlamentarismo, Monarquia Parlamentar ou República, sendo vitoriosos o Presidencialismo e a República.

Tanto referendos como plebiscitos são instrumentos de participação que estão assegurados na Constituição de vários países, inclusive na América do Sul, como Argentina (âmbito provincial), Colômbia, Peru e Equador, por exemplo. No entanto, apenas na Bolívia e Venezuela não são apenas para alcaides, prefeitos, deputados provinciais e governadores, mas também para presidentes e vice-presidentes da República.

No caso da Venezuela, a Constituição da República Bolivariana assegura a possibilidade de destituição de parlamentares por meio de referendos populares. No dia 15 de agosto de 2004, por exemplo, realizou-se um referendo revogatório do mandato de Hugo Chávez, que contou com a presença de observadores internacionais (como representantes da OEA) e cujo resultado foi a vitória do presidente com 58% de aprovação (ver uma boa análise desse processo na Venezuela no artigo “O referendo na Venezuela: um ato em um drama inacabado”, de Jennifer McCoy, publicado na revista CEBRAP n.72, julho de 2005).

Na Bolívia foi aprovado em 2007 o Projeto de Lei de Referendo Revogatório do Mandato Popular para presidente e vice da República, governadores e prefeitos. E no dia 10 de agosto de 2008 foi realizado um referendo para decidir se o presidente da República Evo Morales deveria continuar no cargo. O presidente, que em 2005 havia sido eleito com 53,7% dos votos, foi confirmado com 67,4% de votos a favor (foram apenas 3,9% e 3,4% de votos em brancos e nulos, respectivamente).

No caso do Brasil, atualmente, existem duas comissões de reforma política no Congresso (no Senado, que já apresentou seu relatório) e na Câmara dos Deputados (que ainda não apresentou o relatório final), mas não há qualquer discussão nesse sentido. Há sim algumas propostas, mas nunca foram votadas. É o caso da PEC n. 73 de 2005 que ainda tramita no Senado. Fundamentalmente a PEC altera o dispositivo 14 da Constituição e institui o referendo revogatório de mandato de presidente da República e congressistas. A proposta foi encaminhada ao Senado no dia 9 de dezembro de 2005 e ainda está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania “aguardando o relator”. No dia 11 de março de 2011, o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) solicitou o desarquivamento da PEC.

Até julho de 2011 a PEC 73 continuava arquivada e mesmo sendo desarquivada é pouco provável que seja votada pelo Congresso Nacional e sendo votada, me parece menos provável ainda que seja aprovada, a menos que seja precedida por uma (pouco provável) mobilização popular.

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