Política sem partidos ou democracia real, já!

25/07/2011 21:36

 

Por Homero de Oliveira Costa, prof. Ciência Política da UFRN.

“Tomemos as ruas, exijamos o que é nosso” (um dos slogans    do movimento Democracia Real, Já).

No último domingo, dia 22 de maio, houve eleição na Espanha. Mais de 35 milhões de pessoas foram às urnas para eleger governos de 13 das 17 comunidades autônomas. Foram eleitos 8.116 prefeitos, cerca de 69.000 vereadores e 824 deputados dos parlamentos. Houve eleições para as juntas gerais do país Basco, dos conselhos insulares de Baleares, do Conselho Geral de Aran e o de Navarra. O resultado desta eleição foi uma grande derrota do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) do Presidente José Luis Rodriguez Zapatero, que estava no poder desde 2004. A vitória foi do Partido Popular (que de popular só tem o nome). Foram quase 10 pontos de vantagem: 37,58% contra 27,81% (nas eleições de 2007, O PSOE teve 34,92). O PSOE perdeu em duas importantes cidades: Barcelona (no poder desde 1979) e Sevilha. 

No entanto, um dos fatos mais importantes destas eleições, considerado um dos acontecimentos históricos sem precedentes desde o fim da ditadura do general Franco (1939-1976) e a instauração da democracia no país, foi a criação do movimento que ficou mais conhecido como Democracia Real, Já! Ou M15 (dia da criação do movimento, 15 de maio).

Formado fundamentalmente por jovens, mas também por militantes sociais sem vinculações partidárias e tendo como base de divulgação e mobilização as redes sociais, organizou, ao longo da campanha eleitoral, inúmeros protestos em mais de 60 cidades da Espanha e que se estendeu por outras cidades européias, como Milão, Paris, Berlin, Bruxelas, Florença, Londres, Porto, Lisboa, Coimbra etc. e na América do Sul, em Bogotá e Buenos Aires. Estima-se que, apenas na Espanha, mais de 130 mil pessoas participaram das manifestações.

O pano de fundo desse movimento é a crise européia que atingiu duramente a Espanha, assim como a Grécia e Portugal. Na Espanha, a taxa de desemprego ultrapassa os 20%, atingindo principalmente os jovens que tem taxa de desemprego acima de 40%. (a taxa de desemprego juvenil mais alta da Europa) e não por acaso, são justamente os jovens os mais ativos nas manifestações de ruas.

A crítica dos participantes do movimento não é apenas ao governo “socialista” de Zapatero, como aos partidos políticos e os políticos em geral. Em seu manifesto deixa claro que é um movimento anti-partidos, anti-sindicatos, mas não anti-político.

Suas reivindicações são: mais impostos sobre os ricos, mais empregos, melhores salários, críticas às restrições econômicas do governo e uma reforma eleitoral que torne a verdadeiramente democrático o sistema representativo.

Como disse Antoni Gutierrez - Rubi no artigo “Presidente, até a praça” publicada no jornal El pais (20/5/2011) “No domingo, os partidos políticos, incluindo os sindicatos e representantes do governo, perderam o privilegio exclusivo da representação”. As manifestações mostraram que é possível se organizar politicamente sem eles, como ocorreu nas rebeliões dos países árabes que, segundo os organizadores do movimento, também inspiraram as rebeliões na Espanha.

Para Gutierrez - Rubi a crítica aos partidos e os políticos não é recente nem conjuntural. Para ele “O desconforto vem de longe. Há anos diversas instituições responsáveis por medir o estado da opinião pública alertaram para o fato inexorável de que três em cada quatro pessoas tem opinião negativa ou muito negativa dos partidos e dos políticos”.

E não apenas na Espanha. Pesquisas feitas em diversos países, tanto pelo Instituto Latinobarômetro em relação à América Latina, como o Eurobarômetro em relação à Europa, constataram em diversas pesquisas a descrença nos partidos, nos parlamentos e nos políticos. E não é recente.  Analisando dados da pesquisa do eurobarômetro de 1997 Russel J. Dalton, Ian McAllister e Martin Wattemberg no artigo “Democracia e identificação partidária” afirmam que “De um modo mais geral, os dados revelaram que a confiança nos partidos políticos registrava uma média de apenas 16% em toda a União Européia, um valor muito inferior ao nível médio de confiança pública em quinze instituições sociais e políticas incluídas na sondagem. Perante este tipo de dados, poucos ou nenhuns estudiosos defendem actualmente que o apoio público aos partidos políticos e à estrutura do governo partidário está a aumentar nos seus países”.

Para Carlos Taibo analisando os acontecimentos recentes na Espanha “as principais instituições e, com elas, os principais partidos, tem demonstrado enorme capacidade de funcionar às margens do ruído incômodo do que emite a população. Os dois partidos mais importantes ensaiam há tempos, em essência, uma identidade de idéias. Um e outro mantêm em suas fileiras, por certo, pessoas de moralidade mais do que duvidosa. Não é difícil adivinhar o que há por trás: na realidade quem ditam as regras do jogo são as formidáveis corporações econômico-financeiras”.

O PSOE, no centro da crise e principal derrotado nas eleições de 22 de maio de 2011, nunca foi socialista nem operário. O que houve nos últimos anos foram retrocessos em relação aos direitos sociais, salários cada vez menores, desemprego etc. Como diz Caibo “precariedade de toda ordem”.

Assim, reivindicar Democracia Real Já é a constatação de que ela não existe e creio que cabe também para outros países, inclusive o nosso. Ou não?

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