Pelo fim do voto secreto

21/09/2013 10:40
Por Homero de Oliveira Costa, prof. Departamento de Ciências Sociais da UFRN.                                                    Mais artigos deste autor

No dia 29 de agosto de 2013, em votação secreta, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou o parecer pela cassação do deputado Natan Donadon, (ex-PMDB/RO).  Foram 233 votos pela cassação, 131 pela absolvição e 41 abstenções.  Ficaram ausentes 108 deputados. Como prevê à Constituição, a votação deve ser secreta e os processos de cassação, por maioria absoluta. No caso da Câmara, como são 513 deputados, são necessários 257 votos, faltaram, portanto, 24 votos.  O deputado está encarcerado desde o dia 28 de junho de 2013 em um presídio do Distrito Federal após ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 13 anos, quatro meses e dez dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, por ter praticado os crimes de formação de quadrilha e peculato, desviando R$ 8,4 milhões da Assembleia Legislativa de Rondônia, por meio de contratos de publicidade fraudulentos.  Foi o primeiro caso em que um parlamentar no exercício do mandato teve a prisão determinada pelo STF, desde a Constituição de 1988. Ele já havia sido condenado pelo STF em 28 de outubro de 2010, mas recorria ao Supremo alegando supostas contradições na sentença e no dia 26 de junho de 2013, por 8 votos a 1, o tribunal considerou que os argumentos eram meramente protelatórios e determinou que a sentença fosse cumprida de imediato.

Embora muitos deputados e senadores respondam a processos judiciais, é o primeiro deputado-presidiário, pelo menos desde o retorno do país à democracia. No entanto, a sua absolvição causou indignação e perplexidade. A questão central dizia respeito ao caráter secreto do voto (conforme o art. 55 da Constituição). No dia seguinte, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Coelho, enviou ofício à Câmara solicitando “celeridade na votação das propostas que tratam do voto aberto nas decisões do Congresso”. No documento afirma que no regime republicano “não há espaço para segredo nos atos dos Poderes. Todos os eleitores deveriam poder ter ciência do voto daquele que elegeu, a fim de avaliar se este está agindo de acordo com suas expectativas e, em um próximo pleito, ir à urna com subsídios que lhe ajudem na escolha”.

Na segunda-feira, dia 2 de setembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal, (STF), Luís Roberto Barroso, suspendeu a decisão da Câmara dos Deputados, até decisão final do plenário do STF. O ministro atendeu ao pedido de liminar feito pelo líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP) que contestou o procedimento adotado pela Mesa Diretora da Câmara para a votação da cassação do mandato. De acordo com ele, após a condenação de Donadon, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), deveria ter encaminhado a cassação diretamente para que a Mesa Diretora declarasse a perda do mandato automaticamente.

Para o ministro Luis Roberto Barroso, cabe ao Congresso a decisão final sobre a perda de mandato do parlamentar condenado em decisão transitada em julgado, sem a possibilidade de novos recursos. No entanto, o ministro alegou que a tese não pode ser aplicada ao caso de Donadon: “Esta regra geral, no entanto, não se aplica em caso de condenação em regime inicial fechado, por tempo superior ao prazo remanescente do mandato parlamentar. Em tal situação, a perda do mandato se dá automaticamente, por força da impossibilidade jurídica e física de seu exercício”.

No dia 3 de setembro, ou seja, um dia depois da decisão do ministro, com 452 votos a favor e nenhum contra, a Câmara aprovou o segundo turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 349/2001 que determina o voto aberto em todas as votações do Congresso, estendendo a determinação para os Legislativos nos Estados e nos municípios. Com a aprovação, a proposta segue para análise do Senado.

O que chamou a atenção nessa votação foi: se havia tanta unanimidade porque a PEC ficou 12 anos sem ser votada? Certamente a celeridade da votação se deu em função não apenas da decisão do ministro do STF, como da repercussão negativa da decisão. A chamada PEC do Voto Aberto, como se sabe, tramita no congresso desde 2001 e só foi votada e aprovada, em primeiro turno, cinco anos depois, em 5 de setembro de 2006. Em dez oportunidades, entrou na pauta da Câmara, mas acabou retirada por falta de acordo. A última tentativa na tramitação foi em 13 de maio de 2009, quando a sessão encerrou sem a votação. Desde então, deputados apresentaram requerimentos para colocar o texto em votação, todos sem sucesso.

A Constituição estabelece o voto secreto dos deputados e senadores no Congresso Nacional, entre outros: a) aprovar a escolha de magistrados nos casos estabelecidos na Constituição, e de titulares de outros cargos públicos que indica (art. 52, inciso III), ou seja, estabelece segredo na votação pelos senadores de ministros de cortes superiores, como Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Contas da União; b) aprovar a indicação de chefes de missão diplomática em caráter permanente (art. 52, inciso IV); c) aprovar a exoneração “de ofício”, do Procurador Geral da República (art. 52, inciso XI); d) resolver sobre a prisão em flagrante e a formação da culpa no caso de crime inafiançável praticado por membro do Congresso Nacional (art. 53, § 3º); e) decidir pela perda do mandado do deputado ou senador (art. 55, § 2º); f) e decidir sobre a derrubada de veto do Presidente da República a projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional (art. 66, § 4º).

No artigo “voto secreto nos parlamentos” (junho/2006), o consultor legislativo Roberto Carlos Martins Pontes faz referências a experiências quanto ao uso dos votos secretos em diversos países. Para ele “de um modo geral, constata-se que as votações secretas são aceitas como práticas comuns na maioria dos parlamentos, em especial no que concerne a eleições internas, nomeações e indicações”. No entanto, mostra também que nas votações de propostas legislativas a regra é o voto aberto, ou seja, o voto secreto é exceção e para situações específicas.

O que a experiência internacional demonstra é que há uma correlação entre voto aberto e democracia. O voto secreto só é permitido em casos excepcionais e é nesse sentido que há questionamentos quanto à decisão da Câmara dos Deputados quanto à extensão do voto aberto para todo tipo de votação. Um dos argumentos é que isso permitiria um controle maior do Poder Executivo, como no caso de vetos presidenciais, assim como possíveis retaliações dos integrantes das cortes superiores. A manutenção do voto secreto nesses casos seria para evitar o constrangimento de pressões espúrias.

Por outro lado, os que defendem o fim do voto secreto, o fazem argumentando que os parlamentares, exercendo uma função pública, não devem agir em causa própria, mas em causa pública e esta é uma forma de prestar contas à sociedade do exercício do seu mandato.

No centro do debate sobre o que fundamenta a adoção do voto secreto nos parlamentos, como salienta Roberto Pontes no artigo citado, está a natureza do mandato representativo. A questão é: a quem o parlamentar deve satisfação de seus atos no exercício do mandato, à sociedade, que, afinal, o elegeu, ou deve ser livre para votar de acordo com sua consciência? Aos que ainda justificam o voto secreto como uma forma de assegurar a independência do parlamento é preciso considerar o interesse da sociedade e o direito do eleitor em saber como vota quem ele elegeu. Faz parte do Estado democrático de direito o controle do cidadão sobre os atos praticados por seus representantes e isso é tolhido com o voto secreto.

O fim do voto secreto é uma reivindicação de amplos setores da sociedade civil e mesmo no parlamento, que formou uma Frente Parlamentar pelo Voto Aberto. Como afirma o senador Paulo Paim (PT-RS), autor de uma PEC no senado pelo fim do voto secreto: “a abolição do voto secreto é mais que um clamor popular, é um apelo moral e ético. O parlamentar assume um mandato por fruto dos votos que recebeu e que o legitima a representar a vontade do cidadão que a ele confiou o voto. Nada mais justo que este cidadão possa fiscalizar suas ações e posturas através do voto aberto”.

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