Partidos políticos: da sociedade ao Estado?

25/06/2011 06:10

Por Homero de Oliveira Costa,   prof. Ciência Política da UFRN.

Existe hoje uma expressiva literatura sobre os partidos políticos. Há duas grandes vertentes de análise: os que consideram que os partidos políticos, mesmo nas democracias consolidadas, estão em crise, em declínio acentuado e os que embora reconheçam a perda da centralidade dos partidos e que as organizações partidárias não são mais eficazes enquanto instâncias de intermediação entre sociedade e Estado, que articulam e agregam interesses sociais e políticos, os partidos políticos, enquanto tais, ainda são fundamentais para a democracia, para gestão da própria democracia.

Pessoalmente me filio aos primeiros, mas reconheço os méritos de quem afirma o contrário. E um dos mais consistentes defensores da segunda vertente é Peter Mair, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Leiden e autor de diversos estudos sobre os partidos políticos. No artigo “Os partidos políticos e a democracia” (revista Análise Social, vol. XXXVIII (167), 2003) ele faz uma distinção entre organizações partidárias e partidos políticos, distinção essa “normalmente ignorada nos debates contemporâneos”. Para ele essa distinção é fundamental porque “fornece-nos uma chave útil para compreendermos exatamente aquilo que a crise dos partidos implica, no sentido em que a persistência e por vezes até o fortalecimento do papel dos partidos enquanto tais são acompanhados por uma erosão das suas bases organizativas, minando desse modo uma chave fundamental da legitimidade política”.

Os argumentos do autor é o de que os partidos, em geral, se dêem conta da sua “crescente incapacidade para funcionarem como agentes de representação (...) ao mesmo tempo, contudo, desempenham um papel importante – e talvez crescente – de gestão da democracia”. Há, portanto, uma mudança importante: a perda ou o declínio do seu papel representativo para outro para outro, que ele chamou de “procedimental”. Para ele “um dos modos pelos quais os partidos poderão garantir o seu futuro será enfrentando e aceitando as suas novas circunstâncias e procurando enfatizar a sua legitimidade como garantia de uma forma de democracia abrangente, transparente e responsável”. Essa mudança significa que os partidos perdem cada vez mais seu caráter representativo – portanto de representantes da sociedade – para a gestão do Estado. Portanto, da sociedade para o Estado.

Em relação à crise dos partidos, parece haver um razoável consenso nesse sentido entre os estudiosos do tema. Há diversos aspectos que caracterizam essa crise, das quais podemos destacar o declínio das filiações aos partidos (Na Europa, países com democracias consolidadas, são muitos os estudos que mostram isso, entre outros podemos citar o próprio Peter Mair num artigo publicado em 2001 com Ingrid Van Biezen “Filiação partidária em vinte democracias européias” apresenta vários dados nesse sentido; a erosão da identidade partidária (como diz o autor “se torna cada vez mais difícil os eleitores encontrarem diferenças significativas em termos de ideologia ou de objetivos entre os diferentes partidos” (...) caracterizados por crescentes níveis de promiscuidade política”; declínio do ativismo partidário (os partidos não conseguem mais mobilizar os cidadãos) e da participação eleitoral (“a participação eleitoral está em declínio virtualmente em todo o mundo democrático avançado”). Saliente-se que o texto é de 2001. Esta situação se manteve nos anos seguintes. Parece-nos ser irreversível, ou seja, não há perspectiva de que os partidos se reconstruam com sólidas raízes na sociedade.

Que conseqüências podem ter?  Várias, entre elas, a despolitização. Se as pessoas passam a perceber a desimportância dos partidos (e as pesquisam mostram isso) isso pode levar a se tornarem indiferentes à política, que certamente interessa a toda sorte de vigaristas que se beneficiam com isso.

A tese central de Peter Mair é que os partidos perderam sua função representativa, enquanto fortaleceu as suas às funções processuais. Passa de representantes da sociedade para a gestão do Estado (ao mesmo tempo, como parte do Estado, na medida em que “estão cada vez mais dependentes, em termos de sobrevivência corporativa, do financiamento público que recebem do Estado (...) assim como lhes conferem crescente prioridade ao seu papel enquanto detentores de cargos públicos”). Assim, o papel mais significativo que poderá restar aos partidos no futuro próximo, e certamente o mais dominante, será, portanto, e de caráter procedimental. Assim, para os partidos é o aspecto democrático da “democracia representativa” mais do que o aspecto representativo que provavelmente se tornará crucial.

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