Outra democracia?

30/08/2011 22:51

Por Homero de Oliveira Costa, prof. ciência política da UFRN

No dia 29 de maio de 2001, na praça Catalunha, em Barcelona, o sociólogo e filósofo Manuel Castells fez uma conferência com o título “Comunicação, Poder e Democracia” (o vídeo com a conferência está disponível na internet. É só colocar no Google “Manuel Castells you tube” que encontra).

Analisando as mobilizações recentes na Europa, especialmente dos estudantes, como no Reino Unido e Itália, as rebeliões na Espanha, com acampamentos espalhados por várias cidades (naquele momento, segundo ele, já havia tido mais 700) e as revoluções no mundo árabe, Castells procura situá-las num contexto mais amplo do que chamou de “miséria política dominante”, no qual uma de suas características é a descrença nas instituições representativas, nos partidos políticos e nos políticos em geral, expressando o chamou de crise da democracia (representativa).

Em relação à comunicação, defendeu a sua democratização como “princípio da democratização das instituições da sociedade”.  Para ele, o controle da comunicação é uma forma fundamental de exercício de poder “a dominação das mentes é mais eficaz do que a tortura”.

Quanto à democracia, Castells retoma na conferência uma reflexão que já havia sido desenvolvido no livro “Poder da Identidade”, publicado em 1996 e no Brasil (Editora Paz e Terra) em 2001. Entre outros temas relevantes ele analisa a crise da democracia (capítulo IV), inserida numa análise mais abrangente sobre a crise do Estado-Nação e do sistema político de uma maneira mais geral. Sobre o sistema partidário em particular, para ele foi “capturado na arena da mídia, reduzido a lideranças personalizadas, dependente de sofisticados recursos de manipulação tecnológica, induzidas a práticas ilícitas para obtenção de fundos de campanha, conduzido pela política do escândalo, o sistema partidário vem perdendo seu apelo e confiabilidade e, para todos os efeitos, é considerado um resquício burocrático destituído de fé pública”. O diagnóstico nos parece correto: Diversas pesquisam mostram como uma diminuição da participação eleitoral e, com diz Castells “uma proporção decrescente de votos para os principais partidos ao longo do tempo”.

Assim não é por acaso a existência de profunda e crescente rejeição aos partidos, aos políticos e a política profissional. O ceticismo, no entanto, como ele diz, não significa afirmar que as pessoas não se importam com a democracia, mas por outro lado “podem-se identificar manifestações de crescente alienação política em todo o mundo, à medida que as pessoas percebem a incapacidade de o Estado solucionar seus problemas, e vivenciam o instrumentalismo cínico praticado por políticos profissionais”. 

Segundo Castells, também corroborado por pesquisas “cerca de 2/3 dos cidadãos do mundo acreditam que não são governados democraticamente (...) as pessoas dizem que vivem em uma democracia, porém ela não é democrática e isso é considerado normal”.

Diante disso, que alternativas ele apresenta? Uma delas é que seja dada a possibilidade de eleger pessoas não filiadas a partidos. Essa, aliás, foi uma proposta apresentada à Comissão de Reforma Política do Congresso Nacional do Senado e consta inclusive no relatório final da comissão que prevê a possibilidade de registro de candidaturas avulsas, mas apenas para eleições municipais. Nesse caso, os candidatos a vereadores e prefeitos, para registro de suas candidaturas, devem ter a adesão de pelo menos 10% do eleitorado do município. Essa proposta, além de ser restritiva, com percentuais difíceis de serem alcançados, não deverá ter a mínima chance de ser aprovado no plenário das respectivas Casas legislativas.

Castells defende que a democracia deve necessariamente possibilitar maior participação, não circunscrita ao ato de votar. Além da necessária democratização dos meios de comunicação, com acesso universal a internet (e suas enormes possibilidades de ser utilizadas para processos de participação e consulta), uma democracia futura, diz ele, “não sairá de documentos, por mais completos e bem formulados que sejam. Sairá de práticas coletivas, que vão experimentando novos mecanismos de deliberação, representação e decisão. Substituir a democracia dos partidos pela democracia das pessoas, portanto, outra democracia.

E para que a democracia seja sólida institucionalmente e eficiente para a resolução das necessidades populares, é necessário que a participação vá além do voto e que a população possa efetivamente tomar parte nas decisões. Em outras palavras, democracia deve estar, acima de tudo, vinculada ao processo de tomada de decisões que afeta a coletividade inserida num conjunto de regras que possibilitem uma real e efetiva participação dos cidadãos 

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