OSs na rede estadual de educação

02/01/2016 11:03

Por Wanderson Ferreira Alves*

O ano de 2015 termina com um gosto amargo para a educação goiana: o governo do Estado decidiu que escolas serão transferidas para Organizações Sociais (OSs). Mas, atenção com o remédio: quando o diagnóstico é equivocado, as ações ao invés de ajudarem, prejudicam.

Em 2013, o Center for Research on Education Outcomes, um centro de pesquisas ligado à Universidade de Stanford nos Estados Unidos, publicou uma pesquisa intitulada National Charter School Study, na qual analisava o desempenho de alunos matriculados em escolas públicas com gestão privada em 26 estados daquele país. A pesquisa indicou que esses alunos eram 29% melhores em matemática que os alunos matriculados nas escolas públicas tradicionais de sua região, que 36% não apresentavam desempenho diferente e que 31% tiveram desempenho inferior. No caso do aprendizado em leitura os resultados foram semelhantes.

O relatório termina com uma recomendação aos responsáveis pelas políticas: é preciso ser mais exigente com o perfil daqueles que serão autorizados a gerir as escolas terceirizadas. Essa recomendação deve mesmo ser importante, pois matérias publicadas no jornal The New York Times relatam casos de empresários que desviaram dinheiro público e desapareceram fechando suas escolas.

Estudos como esses, elaborados por instituições sérias, foram produzidos nos Estados Unidos desde que o modelo das escolas públicas com gestão terceirizada se tornou parte da política educacional daquele país nos anos 1980. Tais estudos não identificaram diferenças significativas entre o desempenho de alunos em escolas convencionais e alunos em escolas públicas com gestão privada, mas lançaram dúvidas sobre a pertinência desse modelo de educação. Para muitos pesquisadores trata-se de um modelo com efeitos colaterais graves, o que o torna não recomendável.

As pesquisas identificaram que escolas públicas com gestão terceirizada costumavam estreitar seus currículos (foco em matemática e leitura) e treinar os alunos para fazer as provas do governo. Prezado leitor ou leitora, vocês gostariam que a vida escolar de seus filhos fosse reduzida a treinamento para prova? Seus filhos se sentiriam felizes nessa escola? Eu não desejo isso para meus filhos.

Todavia, os pesquisadores disseram mais. Eles notaram que tais escolas focalizavam a atenção sobre os alunos com desempenho ótimo e moderado, mas que se desinteressavam pelos alunos com desempenho muito baixo, não raro excluindo-os no momento das avaliações externas realizadas pelo governo. Foi observado também que essas escolas tinham menos estudantes negros que as escolas públicas tradicionais, menos alunos com pais fluentes na língua inglesa, menos alunos com deficiência, bem como tinham em média estudantes com perfil socioeconômico mais elevado.

Motivo desse comportamento? As escolas estavam sob forte pressão por desempenho, se não as atingem metas perdem recursos (dinheiro) e podem ser fechadas. Como variável muito importante no desempenho das escolas é o perfil socioeconômico e cultural do aluno, elas promoviam, de maneira deliberada ou não, a exclusão de alunos que atrapalhariam seu desempenho ou que fossem mais caros, como os deficientes. Escolhendo os estudantes ou convidando-os a se retirar (vocês conhecem escolas que fazem isso?) elas melhoravam sua performance. Notem que o modelo da concorrência e do prêmio pelo desempenho não funciona em algumas áreas. Esse é o caso da educação. Onde a escola funciona bem no mundo, ela é uma instituição preservada dessa lógica.

A escola pública tradicionalmente nasceu em oposição a tudo o que foi anteriormente descrito. O ideário da escola pública, aquele que animava Condorcet à época da Revolução Francesa, é o de uma instituição que acolhe a todos, promove a igualdade entre desiguais e serve de fundamento para a democracia. É a escola que acolhe brancos e negros, homens e mulheres, não importando credo religioso, nível cultural ou perfil socioeconômico. Essa escola é a que precisa ser fortalecida. Ela contribui na promoção da igualdade, não de desigualdade. Ela aproxima, não afasta pessoas.

Os melhores sistemas educacionais (Alemanha, França, Finlândia etc) são públicos e com gestão pública, não são terceirizados, não são militarizados e não são conduzidos por empresários. Eles custam, sem dúvida, bem mais que os parcos recursos depositados pelo Brasil na sua escola pública.

*Wanderson Ferreira Alves é doutor em Educação pela USP, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás

Ler original em: O Popular

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