Esquerda conservadora

06/11/2011 20:46

 

*Cesar Sanson.

Evo Morales irrompeu – ao lado de Lula – como uma das grandes novidades no cenário político latinoamericano. Um indígena e um operário no poder. Ambos, símbolos de que algo começava a mudar num continente fraturado por séculos de colonização, ditaduras e profunda desigualdade social.

A presença de Evo, indígena da etnia Aymara, na presidência da Bolívia, significava uma ruptura com séculos no qual as elites mandavam e os indígenas eram sempre os serviçais.  Evo Morales foi eleito presidente pelo voto popular por duas vezes (2005 e 2009). Em 2008 submeteu-se a um Referendo Revogatório e venceu. No poder comprou inúmeras brigas, entre elas, a nacionalização dos hidrocarbonetos (petróleo e gás) e a disputa separatista levado a cabo pela elite branca dos departamentos de Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija.

Nenhuma dessas disputas, entretanto, se assemelha em importância a denominada “refundação do país” com a promulgação da nova Constituição boliviana que define o país como um território plurinacional e pela primeira vez reconhece os direitos indígenas.

Os avanços, a identidade do governo de Evo Morales com a causa indígena e o Estado plurinacional, entretanto, foram colocadas em xeque nos últimos dias com a repressão à Oitava Marcha Índigena que protesta contra a construção de uma rodovia que atravessa um território indígena. A indignação contra a brutal repressão à Marcha indígena reuniu operários, indígenas, vizinhos do El Alto e estudantes e colocou em dúvida a simbologia da mudança na figura de Evo Morales e seu Estado Plurinacional e pluriétnico.

 O conflito apenas começou e opõe modelos e visões diferentes. A Bolívia, com a insistência de contruir a rodovia, dá mostras de que também sucumbiu ao modelo desenvolvimentista. O capitalismo nacional-desenvolvimentista adotado pela Bolívia assumiu a mesma lógica brasileira, embora guarde suas diferenças e especificidades. Não é por acaso que a obra é financiada pelo BNDES, a nova ponta de lança do capitalismo nacional-desenvolvimentista latino-americano.

Um modelo que numa ponta é patrocinado pelo Estado e noutra tem como beneficiário os grupos privados. O discurso é de que tudo o que o Estado faz é para alavancar o crescimento da economia e beneficiar o conjunto da população. Nesse contexto, prevalece o discurso da racionalidade econômica e o meio ambiente e os indígenas tornam-se um estorvo.

A esquerda no poder no continente é tributária do modelo industrial e não sabe o que fazer com aqueles que se opõe a esse modelo – como os indígenas. No caso brasileiro esse fato é gritante. Basta olhar para a realidade e para a luta dos kaiowá-guarani, literalmente esquecidos e abandonados à própria sorte. Os kaiowas-guarani, entre outros povos indígenas são a mais evidente e cabal manifestação de que se constituem num estorvo para o capitalismo nacional-desenvolvimentista. O etanol vale mais que os indígenas.

Havia a novidade dos países andinos – Equador e Bolívia, sobretudo –, e o reconhecimento nesses países da contribuição indígena para a política, economia e cultura. Os acontecimentos da Bolívia são um duro golpe aos que acreditaram que algo novo estava emergindo.

Essa esquerda – no poder no continente - continua presa a uma leitura de um marxismo que se reduz à lógica produtivista, onde o importante é o desenvolvimento das forças produtivas e o crescimento da economia. Aproximam-se do liberalismo, que também quer o desenvolvimento das forças produtivas. Distanciam-se apenas no instrumento de alavancagem do capital. Para os primeiros esse papel cabe ao Estado, para os segundos, ao mercado. Nessa lógica os indígenas não têm vez, porque são considerados um atraso e um freio ao desenvolvimento das forças produtivas.

*Cesar Sanson é pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores e doutor em sociologia pela UFPR.

04/10/11

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