Democracia e desconfiança política

07/03/2011 14:48

 Por Homero de Oliveira Costa, professor doutor de Ciência Política da UFRN.

                Parece haver consenso de que os partidos políticos são fundamentais numa democracia representativa. No entanto, são muitos os que têm questionado sua centralidade e importância, assim como pesquisas têm demonstrado um baixo nível de confiança nos partidos e nos políticos de uma maneira geral.

          O jornalista britânico Brian Whitaker publicou um artigo no jornal o Estado de S. Paulo intitulado “Desconfiança nos políticos é mundial” (18/09/2005) no qual comenta uma pesquisa financiada pelo Serviço Mundial da rede BBC, feita em 2005 que entrevistou mais de 50 mil pessoas em 68 países “representando assim a visão de cerca de 1,3 bilhões de pessoas ao redor do mundo” e diz que, embora houvesse variações em relação aos países e regiões onde a pesquisa foi realizada, a constatação é que há um nível muito baixo de confiança nos partidos e nos políticos.

             A pesquisa mostra, entre outros dados, que apenas 13% das pessoas confiam nos políticos e 53% não acreditam que as eleições em seus países sejam livres e justas.

                    Esses baixos níveis de confiança se refletem também no apoio da população à democracia (o pressuposto é que, maior credibilidade dos partidos e políticos, maior apoio terá a democracia). O Instituto Latinobarometro, ONG sediada em Santiago (Chile) tem feito pesquisas nos países da América Latina desde 1996 e entre as questões pesquisadas está o apoio da população à democracia.  Entre l996 e 2000, nos 17 países pesquisados, o apoio à democracia foi em torno de 60% e a “satisfação com os governos”,  de 37%.

                  Em 2001, esses índices caíram para 48% e 25%, respectivamente, e em 2003, a proporção da média de confiança nos partidos políticos reduziu-se para apenas 14%.

                  Em seu relatório de 2009 no qual foram entrevistadas 20.204 pessoas de 18 países, afirma que, em relação aos partidos políticos a confiança neles diminui à medida que passa os anos, independente das pessoas considerarem como importantes para a democracia.

                  O índice do Brasil foi de 48%, à frente apenas da Guatemala, Colômbia e Equador, ou seja, analisando apenas o caso do Brasil, pelos dados da pesquisas, o apoio à democracia é um dos mais baixos da América Latina (o Uruguai é o país no qual a democracia tem maior apoio).

                  De qualquer forma, a boa notícia em relação aos dados posteriores, de 2006 a 2009, é que houve um aumento do apoio à democracia, de 54% em 2007 a 59% em 2009. No entanto, paradoxalmente, enquanto cresce o apoio à democracia, têm aumentado a desconfiança dos cidadãos em relação às instituições públicas.           

                 José Álvaro Moisés, professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP) que tem procurado analisar em suas pesquisas a relação entre a adesão à democracia, a satisfação com o desempenho do regime e a confiança nas instituições democráticas. Para ele a democracia brasileira embora esteja “relativamente consolidada” e apesar do apoio majoritário ao regime democrático “quase 2/3 dos brasileiros não confiam – em diferentes graus – em parlamentos, partidos, governos, tribunais de justiça, policia e serviços de saúde e educação”. (“A desconfiança das instituições democráticas”).

                 Suas pesquisas têm revelado que a percepção negativa das instituições “atravessa todos os segmentos de renda, escolaridade, idade e distribuição ecológica, chegando a influir na disposição dos cidadãos para participar de processos de escolha de governos e também mostraram que é grande a insatisfação com o funcionamento concreto da democracia”.

                 Uma das questões relevantes suscitadas é: altos índices de desconfiança nas instituições e insatisfação com o desempenho da democracia colocam em risco a continuidade ou a estabilidade do regime democrático? Um dos resultados da pesquisa é que os cidadãos desconfiados e “ao mesmo tempo, insatisfeitos com o funcionamento da democracia são aqueles que, colocados diante de alternativas anti-institucionais, preferem um regime democrático para o qual os partidos políticos e o parlamento têm pouca ou nenhuma importância” (“Democracia, desconfiança política e insatisfação com o regime – o caso do Brasil”, Opinião Pública, 2008).

                  O exame das causas e conseqüências da desconfiança nas instituições democráticas tem análises distintas. Para alguns, como Timothy Power e Gisele Jamison, no ensaio Desconfiança política na América Latina (Opinião Pública, Cesop, 2005), a baixa confiança é um dos aspectos de uma síndrome de desconfiança generalizada, que se associa ao fraco desempenho econômico da maioria dos países, dos escândalos de corrupção e uso instrumental das instituições políticas pelos governantes.

                  Para Rogério Schlegel (“Informação e desconfiança nas instituições no contexto latino-americano”) a desconfiança em instituições e atores políticos pode contribuir para o desinteresse pela política e em conseqüência, para a desmobilização dos cidadãos em termos de participação eleitoral. Se não representa uma ameaça direta à democracia, “a desconfiança em instituições e atores políticos é indicador de baixa responsividade do sistema político, por isso configura um problema em si. Sobretudo porque há sinais de que afeta outras dimensões que compõem o funcionamento democrático”.

                  Em relação aos partidos e políticos e a falta de credibilidade, entre outros aspectos, se dá, com poucas exceções, em função da sua fragilidade institucional, na ausência de democracia interna (seu controle “oligárquico”), das suas alianças e coligações (sem qualquer compromisso programático e/ou ideológico), do comportamento nos respectivos parlamentos (Municípios, Estados e Congresso Nacional) etc. e em relação aos políticos em particular, da distância entre o que prometem quando candidatos e o que fazem quando eleitos, criando o que o sociólogo argentino Guilhermo O’Donell chama de “sistema de violação dos mandatos”, frustrando os eleitores e gerando conseqüências negativas em relação à democracia.

PERFIL DO AUTOR:

Homero de Oliveira Costa é professor de ciência política da UFRN. É lotado no Departamento de Ciências Sociais e também é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (mestrado e Doutorado) da UFRN. É formado em Ciências Sociais (habilitação em política), e fez mestrado na Unicamp (ciência política) e doutorado em Ciências Sociais (Área de Política) na PUC-SP, onde esteve recentemente ministrando aulas no Programa de Pós-Graduação. É autor dos livros: A insurreição comunista de l935: Natal, o primeiro ato da tragédia. Editado pela Ensaio (SP) e contou com apoio da Cooperativa Cultural do RN; Reforma Política e outros ensaios (Sebo Vermelho), Democracia e Representação política no Brasil (Sulina/RS) e Dilemas da representação política no Brasil (Editora da UFPB), além de artigos em revistas acadêmicas, colabora com a imprensa local, escrevendo artigos periódicos.

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