Assalto ao Banco Central, caricatura disforme dos fatos, ataque idiotizado aos militantes de esquerda

24/07/2011 12:16
Por Landim Neto, da Redação.

O grandioso assalto ao Banco Central, ocorrido em 6 de agosto de 2005, na cidade de fortaleza, tinha tudo para se transformar numa bela peça de cinema. O plano, a empresa fantasma, o túnel de 80 metros, a quantidade de dinheiro levado, a fuga, o desfecho, tudo bem aos moldes da imaginação de algum bom diretor hollywoodiano de filmes de suspense e ação. Mas não foi o que aconteceu. Quem assiste a “Assalto ao Banco Central” se depara com uma caricatura pouco crível dos fatos, apresentada através de um humor um tanto sofrível e com suspense e ação quase zeros. De quebra, os responsáveis pela obra (Marcos Paulo, direção, e Renê Belmonte, Roteiro), “brindam” ainda o público com um ataque idiotizado aos militantes de esquerda.

Para começar, a ampla maioria das cenas nem de longe leva qualquer expectador a crer que fosse difícil alguém furar a segurança de um Banco Central, roubar cerca de R$ 165 milhões e protagonizar o segundo maior assalto do mundo até aqui. O prédio cearense, alvo do ataque, é imponente. Quem o vê de fora percebe imediatamente que chegar até seus cofres não é tarefa para qualquer um. Estranhamente, não foi sequer mostrado em nenhum momento dos 104 minutos de duração do filme, a não ser rapidamente, via tela de um computador. Como criar então a ideia do desafio ou passar um clima de tensão? Qualquer amador sabe que é a dureza da tarefa a ser executada que torna qualquer narrativa mais interessante. O suspense nasce a partir daí. Os experientes Marcos Paulo e Renê Belmont, no entanto, fecharam os olhos para isso.

Para tentar superar essa “pequena falha”, e talvez inconscientemente, diretor e roteirista investiram pesado nas sequências que mostram a escavação do longo túnel que leva até aos cofres do Banco. (Aliás, o filme poderia perfeitamente se chamar “O Túnel”, em vista da enorme importância que deram ao buraco cavado). Mas nem assim a dupla consegue bons resultados. Numa cena, Carla (a bela e ótima atriz Hermila Guedes), aparece de surpresa no local e insinua-se para Mineiro (Eriberto Leão), que tenta pegá-la, mas não consegue. Ou seja, o sexo não se consuma e o túnel continua a ser construído normalmente. Noutra parte (uma das principais cenas de “humor” do filme), Tatu (Gero Camilo), perfura uma tubulação não prevista de onde sai um fortíssimo jato de merda. Em seguida corre para dentro da casa todo lambuzado para tentar estrangular Doutor (Tonico Pereira). Os integrantes do bando riem, riem e riem, se divertindo por minutos com o fedor do colega. Incrível.

Mas há outra cena (de “ação”), fora do túnel, em que a verossimilhança é também idêntica às existentes nas peripécias apresentadas no divertido Tom & Jerry. Barão (Milhem Cortaz), o líder do bando, é perseguido por dois policiais corruptos que tentam extorquir membros da quadrilha após o assalto. Num passe de mágica, o homem alto e muito forte some! Aparece em seguida no topo de uma árvore tentando ligar para sua namorada Carla. A arte, seja em que vertente for, não tem como fim a reprodução da realidade. Mas a arte também não visa negar ou contradizer a realidade, como parece ser a tese que Paulo e Belmont querem defender no filme.

Além de caricatural enquanto peça de ficção, “Assalto ao Banco Central” traz ainda uma imbecilizada grosseria contra os militantes de esquerda. O supervisor das obras do túnel, o Doutor (Tonico Pereira), é apresentado como um “velho comunista”, que vive a fazer, de forma isolada, pregações “revolucionárias”. Em uma cena, “explica” a Saulo (Creo Kellab) que “nunca se deve deixar ser explorado por ninguém”. Um autêntico fanático, portanto. Doutor aceita dar suporte intelectual à quadrilha porque, como mesmo diz, “quer fazer uma pequena redistribuição de renda” com o dinheiro roubado. Após pegar sua parte da grana, aparece em um ambiente sofisticado em Paris, tomando champanhe e se insinuando para alguém. Ora, isso nada tem a ver com as tradições dos militantes consequentes de esquerda, que se pautam em organizações, e não em retóricas fanáticas individuais, que só confundem e podem até atrapalhar seriamente a vida das pessoas. A própria “explicação” descontextualizada que Doutor deu a Saulo levou a que este contestasse de forma descabida o Barão acerca da divisão do dinheiro. “Não aceito ser explorado”, disse. Em resposta, o líder deu-lhe um tiro no meio da testa. Se não é costume dos militantes de esquerda sair dando “conselhos” suicidas a ninguém, não é tradição também da esquerda se aliar a quadrilhas para fazer assaltos comuns, com fins particulares, como exposto no filme. Por fim, mesmo os militantes fanáticos, quando conseguem algum intento como o que Doutor conseguiu, não costumam utilizá-lo para fins meramente pessoais. A esquerda não é o que, sofrivelmente, Marcos Paulo e seu roteirista apresentam.

Mas nem tudo é ruim em “Assalto ao Banco Central”. O elenco é muito esforçado e, no geral, bastante primoroso. Destaque para o próprio e ótimo Tonico Pereira e seu atípico “Doutor”. Pena que todos foram subaproveitados pelo amadorismo da dupla responsável pelo filme. Exemplo maior disso é a atuação insossa de Giulia Gam (delegada Telma Monteiro), e Lima Duarte (delegado Chico Amorim), algo que não condiz com as boas performances de ambos em produções anteriores. Como cinema está muito caro, compre um DVD pirata, assista e se divirta. Se conseguir.

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