A privataria tucana

31/12/2011 11:04

 

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Por Homero de Oliveira Costa, prof. ciência política da UFRN.

O livro "A Privataria Tucana", de Amaury Ribeiro Jr.(Geração editorial) foi lançado a menos de um mês, pode ser considerado como um fenômeno de vendas, ocupando a lista dos mais vendidos no país. O que chamou mais a atenção e que talvez possa ajudar a compreender o comportamento de parte da mídia, é um silêncio constrangedor, especialmente por parte do que os jornalistas Palmério Dória e Mylton Severiano no livro “Crimes de Imprensa” chamam de “Os Grandes Irmãos – Folha, Estadão, Globo, Veja, Época, o Grupo RBS e outros irmãozinhos pequenos Brasil afora”. A primeira edição do livro esgotou-se rapidamente, em que pese o que alguém chamou de “um muro de silêncio”.

Conforme o autor tem dito o livro foi resultado de doze anos de trabalho e pode ser considerado como uma das mais completas investigações jornalísticas sobre o submundo da política brasileira “os documentos secretos e a verdade sobre o maior assalto ao patrimônio público brasileiro” Da “fantástica viagem das fortunas tucanas até o paraíso fiscal das ilhas Virgens Britânicas”. O livro mapeia um sofisticado esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que teria sido montado no período dos “tucanos” no poder.  E, para não ser acusado de “petista” descreve no último capítulo (cap.16) “como o PT sabotou o PT”,  o que chamou de “atuação sinistra” do atual presidente do PT, Rui Falcão, na época um dos coordenadores da campanha de Dilma Rousseff, nos bastidores da campanha eleitoral de 2010 contra o grupo mineiro liderado por Fernando Pimentel (pg. 322), motivo pelo qual está sendo processado pelo acusado. Talvez isso explique porque o livro, atirando para  todos os lados, conseguiu desagradar a mídia tradicional, o PSDB (por razões óbvias) e também o PT.

Um dos principias alvos do autor são as privatizações. Para ele “independente do juízo que cada um possa fazer sobre a eficácia ou ineficácia do Estado ao gerir os bens públicos, ninguém precisa ser inimigo do mercado para perceber que o modelo de privatização que assolou o Brasil nos anos FHC não foi, para ser leniente, o mais adequado aos interesses do país e do seu povo (...) o torra-torra das estatais não capitalizou o Estado, ao contrário, as dívidas interna e externa aumentaram porque o governo engoliu os débitos das estatais leiloadas – para torná-las mais palatáveis aos compradores – e ainda as multinacionais não trouxeram capital próprio para o Brasil”.

Os exemplos de como as privatizações foram danosos para ao país são muitos, o autor cita, entre outros, o caso da privatização da Ferrovia Paulista S.A. onde o governo de São Paulo, do PSDB (Mario Covas) antes da privatização, demitiu dez mil funcionários e assumiu a responsabilidade pelos 50 mil aposentados pela ferrovia.

Em 1999, o jornalista Aloysio Biondi, no livro “Brasil Privatizado” (Editora Perseu Abramo/SP) mostrou, com dados, como o Brasil pagou para vender suas estatais. As privatizações foram o que ele chamou de “negócios da China” para os “compradores”, mas péssimos para o Brasil. Entre muitos exemplos ele cita o caso das empresas telefônicas, as quais, antes de vender, o governo investiu 21 bilhões de reais no setor, em dois anos e meio e vendeu tudo por uma “entrada” de 8,8 bilhões de reais ou menos – porque financiou metade da “entrada” para grupos brasileiros. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi comprada por 1,05 bilhões de reais, dos quais 1,01 bilhões em “moedas podres” – vendidas aos “compradores” pelo próprio BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), financiadas em 12 anos.

O que parece ter ocorrido é que, esse processo serviu muito mais para enriquecer algumas pessoas do que recursos para o Estado. Para Amaury Jr. o que houve no Brasil não foi privatização, mas “propinização”.

José Serra, ao ser indagado sobre o livro “A privataria tucana” disse que era puro “lixo”. Devia ter aproveitado e respondido sobre o ex-caixa de sua campanha (e de Fernando Henrique Cardoso em 1998), Ricardo Sérgio de Oliveira, que, segundo Amaury Jr. é o "engenheiro" de um esquema que operou bilhões de dólares durante as privatizações, da mesma forma sobre a atuação de sua filha, Verônica, e o marido, Alexandre Burgeois, segundo o autor, também membros atuantes do esquema. Ricardo Sérgio de Oliveira, que dirigiu a área internacional do Banco do Brasil, segundo o autor é dono da empresa offshore Andover, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, que injetava dinheiro de fora para outra empresa sua, em São Paulo, a Westchester. (o autor apresenta como fonte os cartórios de títulos e documentos e Juntas Comerciais do Rio e de São Paulo). Ele é acusado de receber propina do empresário Carlos Jereissati, que adquiriu em leilão a Tele Norte Leste e passou a operar a telefonia de 16 Estados. A offshore Infinity Trading (de Jereissati) depositou US$ 410 mil em favor da Fanton Interprises (de Ricardo Sérgio) no MTB Bank, de Nova York (pg.64). Segundo Amaury Jr. “A conexão entre Infinity Trading e Jereissati (PSDB/CE), ratifica, pela primeira vez, aquilo que sempre se suspeitou, mas que nunca havia sido comprovado: que o ex-tesoureiro das campanhas do PSDB recebeu propina de Jereissati, um dos vencedores no leilão da privatização da Telebrás” (p.65).

Quanto a Verônica Serra, filha de José Serra, segundo Palmério Doria e Mylton Severiano (“Crime de Imprensa”, Plena Editorial, 2011, p. 135) teve o patrimônio “engordado” 50.000 vezes em 42 dias... No cap. 9, os autores afirmam que ela abriu com outra Verônica, irmão do banqueiro Daniel Dantas, a Decidir.com Brasil. No dia 8 de fevereiro, de 2000, e o capital era de R$ 100, a 22 de fevereiro, 15 dias depois, o nome muda para Decidir.com Brasil S/A e Verônica, a Serra, assume o cargo de diretoria e vice- presidente, e a 21 de março, 42 dois dias depois, o capital aumentou para 5 milhões de reais – 50.000 vezes. Fico imaginando qual seria o comportamento da mídia se o crescimento tão rápido de um patrimônio fosse da filha de Lula ou de Dilma Rousseff...

O autor analisou a documentação da Comissão Parlamentar de Inquérito Mista (CPMI) do Banestado, motivada por denúncias dele e da repórter Sônia Filgueiras na revista Isto É (sobre o escândalo da “Máfia dos fiscais” do Rio) tratando da lavagem de dinheiro obtido ilegalmente das privatizações, segundo o autor, “expunha a gigantesca lavanderia montada por um consórcio de doleiros latino-americanos dentro da agência do banco estatal de Nova York”, revelando que os doleiros haviam despachado US$ 30 bilhões no exterior via agência nova-iorquina do Banestado.

Outro aspecto abordado no livro são as acusações de que Serra fazia aquilo que acusava seus adversários, ou seja, formação de dossiês para chantagear e fez isso inclusive com “inimigos internos” como foi o caso da “arapongagem” em relação ao governador de Minas, Aécio Neves, em seus “discretos roteiros sentimentais” pelo Rio de Janeiro a fim de comprometer sua candidatura à presidência (pgs. 24 e 25). (E que, pelo visto, conseguiu).

Enfim, um livro que merece ser lido e, se contestado, que não seja à base do “não li e não gostei”, mas respondido de forma documentada, como o autor procurou fazer em relação ao que denuncia.

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