A perspectiva de Reforma Política no governo Dilma

25/07/2011 21:19

Por *Homero de Oliveira costa            

A reforma política, entendida como o conjunto de propostas que visam alterar as regras da escolha dos representantes (sistema eleitoral)  e regular as atividades dos partidos (sistema partidário) continua sendo um dos itens fundamentais da agenda política do país. O que  se pretende é, fundamentalmente, fortalecer os partidos políticos, corrigir às distorções da representação e garantir às condições de governabilidade

Segundo Helgio Tridade (“Reforma política: os desafios da democracia social”) “A reforma política como instrumento de construção da democracia brasileira tornou-se um tema recorrente desde a ditadura militar, trazendo à agenda política da transição alternativas político-institucionais”.

Pelo menos desde a promulgação da Constituição de 1988 tem se discutido a necessidade de mudanças no sistema eleitoral e partidário, que permaneceram inalterados em relação à Constituição anterior. No entanto, passados mais de 20 anos não houve nenhuma reforma política.  Só no Congresso Nacional, desde 1991, segundo matéria publicada no jornal Correio Brasiliense “Reforma política, muitas propostas, pouca ação” em 28/12/2009 pela jornalista Juliana Cipriane, com base em estudos da Câmara dos Deputados, até aquela data haviam sido apresentados 281 projetos com o objetivo de mudar o sistema eleitoral. Nenhum foi votado.

O tema tem sido sempre recorrente em momentos de crise política e escândalos no Congresso. Mas o fato é que, entra governo e sai governo, sempre anunciando, no início, que a reforma política é “a mãe de todas as reformas”  e não se consegue aprovar no Congresso Nacional  nenhuma reforma política.

Intenções e propostas é que não faltam. Há muitas propostas, elaboradas tanto por entidades da sociedade civil, Justiça Eleitoral e pelas comissões temporárias de reforma política que foram formadas no Congresso Nacional (Senado e Câmara dos Deputados).

 Em 1993, por ocasião da Revisão Constitucional, o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) encaminhou ao Congresso  uma proposta de reforma política que propunha, entre outros itens, o voto distrital ou distrital misto, cláusula da barreira, fidelidade partidária, redução da representação mínima por Estado na Câmara Federal de oito para dois, fim dos suplentes de senador e redução de três para dois senadores por Estado.

Em 1995, o Tribunal Superior Eleitoral apresentou uma proposta semelhante, acrescentando a diminuição do número de deputados (de 513 para 400),  fim de remuneração de vereadores de municípios com menos de 500 mil habitantes e proibição de coligações em eleições proporcionais, com lista fechada.

No Congresso Nacional, foram criadas duas comissões temporárias: no Senado, em l995 – que apresentou um relatório em 1998 - e na Câmara dos Deputados em 2003 – que apresentou um relatório em dezembro do mesmo ano. Em ambas, a constatação da   fragilidade da vida partidária brasileira, caracterizada por um multipartidarismo altamente fragmentado e um  sistema eleitoral com muitas distorções (em grande parte atribuída ao sistema eleitoral de listas abertas, ao financiamento privado de campanhas e às coligações eleitorais).

Entre outros itens, as comissões defenderam a aprovação de sistema de listas pré-ordenadas, financiamento público de campanhas, proibição de coligações em eleições proporcionais e a constituição de federação de partidos (no mínimo por três anos), fidelidade partidária, voto facultativo, ampliação do prazo de filiação para concorrer às eleições e cláusula de barreira.

A comissão temporária do Senado foi constituída no início do governo de Fernando Henrique Cardoso – que havia defendido a reforma política como uma das prioridades do seu governo. No entanto, um dos poucos itens aprovados nos oito anos  do seu governo foi à emenda da reeleição em l998, que o beneficiou diretamente (e suscitou polêmicas quanto à forma como foi feita no Congresso). Foi aprovada também a fidelidade partidária, mas estabelecida por uma Resolução do Tribunal Superior Eleitoral e não por votação no Congresso Nacional.

Outras medidas importantes também foram de iniciativa do TSE, como a instituição, em fevereiro de 2002 da regra que ficou conhecida como “verticalização” na qual proibia os partidos políticos de formarem nos estados coligações diferentes das constituídas para a eleição presidencial. Esta resolução durou até fevereiro de 2006, quando a Câmara dos Deputados aprovou por 329 a favor e 142 contra, o fim da verticalização

A partir de 2005,  em especial no curso da chamada “crise do mensalão” houve um grande esforço de articulação de dezenas de entidades da sociedade civil para discutir a apresentar propostas  de reforma política. Foi criada Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político que objetivava “subsidiar o debate e sistematizar o acúmulo alcançado em todo o processo já iniciado de discussão sobre a reforma política neste grupo de movimentos sociais” e dessa articulação resultou  uma proposta de reforma política  “diferente da que vem sendo pautada no Congresso Nacional”. Para os integrantes da Plataforma, não se quer uma reforma apenas no sistema eleitoral, mas “a reforma dos processos de decisão”.

Concluído o primeiro mandato do presidente  Luis Inácio Lula da Silva, que, a exemplo do governo anterior, havia estabelecido a reforma política como uma das prioridades do seu governo, nem as propostas da sociedade civil e muito menos às propostas da comissão de reforma política da Câmara foram votadas.

Em março de 2007 foi constituída na Câmara dos Deputados a Frente parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular, que publicou um manifesto  no qual  afirma que “foi criada para atender a uma demanda de setores organizados da sociedade civil que entendem que a discussão e o encaminhamento dessa questão são de interesse de todo o povo brasileiro e, como tal, não podem ficar confinadas ao Congresso Nacional”.

Essa frente, presidida pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP) teve o mérito de se articular com a sociedade civil, promovendo debates e audiências públicas. Em agosto de 2009,  a Frente Parlamentar recebeu uma proposta de dezenas de entidades da sociedade civil cujas propostas eram basicamente as mesmas defendidas nas comissões do Congresso, ou seja, instituição da fidelidade partidária, fim das coligações em eleições proporcionais, voto facultativo, instituição do voto em lista pré-ordenada e  financiamento  público exclusivo dos partidos e campanhas eleitorais.

Pouco antes, em maio de 2009, o governo e sua base aliada (além do PSDB, PPS e DEM) tentaram viabilizar uma reforma política no Congresso. O objetivo seria o de aprová-la até o final de setembro, para ter vigência nas eleições de 2010. Mesmo não se tratando de uma ampla reforma política,  menos de um mês depois líderes de dez partidos da base do governo decidiram não votar mais o projeto de reforma política, alegando que precisava manter a base aliada unida e alguns itens em discussão não tinha consenso entre os partidos (entre outros, financiamento público de campanhas e voto em lista)..   

Creio que a falta de consenso é a questão central porque a reforma política não tem sido votada. Se há consenso a respeito de sua necessidade, não há sobre muitos itens que compõem as propostas de reforma política. Nem no Congresso nem nas entidades da sociedade civil organizada. Num levantamento realizado em 2007 quanto as propostas de reforma política, David Fleisher listou 26 visões distintas (“Alternativas e possibilidades da reforma política”).

Propostas, portanto, não faltam e sim consenso. Uma reforma política ampla comporta vários objetivos. O problema tem sido, ao longo do tempo, estabelecer prioridades e formas de resolvê-las.

Será a reforma política um tema prioritário no governo de Dilma Rousseff?  Se for, terá condições de viabilizar, mesmo contando com ampla maioria no Congresso Nacional? Vimos que não basta apenas intenções e maioria no Congresso. Tanto Fernando Henrique Cardoso como Luis Inácio Lula da Silva, no início dos seus respectivos governos, definiram a reforma política como prioridade e mesmo com maioria no Congresso, e passados dezesseis anos,  não conseguiram aprová-la.

No caso de Dilma Rousseff a reforma política apareceu apenas no discurso da convenção que formalizou sua candidatura à presidência, restrita basicamente ao financiamento público de campanhas e o voto em lista. Nenhuma referência nos programas eleitorais gratuitos de rádio e televisão.

Depois disso, só em agosto de 2010, numa entrevista coletiva, houve uma referência a reforma política e até a possibilidade de uma Constituinte Exclusiva (que havia sido defendida também pelo presidente Lula e depois esquecida) que para ela “seria uma forma de você ter um conjunto de pessoas escolhidas e eleitas sem interesse específico na matéria, porque não continuariam, para legislar  sobre uma questão tão relevante quanto a reforma política”.

Finalmente, no dia 25 de outubro, a seis dias da eleição do 2º. turno, apresentou o que chamou de “13 compromissos programáticos” de governo, tido como “base da governabilidade” e não fez qualquer referência a reforma política.

O tema aparece novamente e de forma superficial no  discurso após ser confirmada sua eleição, no qual anunciou que a reforma política seria uma de suas prioridades “Quero empenhar-me, junto com todos os partidos, numa reforma política que eleve os valores republicanos, avançando em nossa jovem democracia”. E só. Nenhuma referência a Constituinte Exclusiva nem que propostas da reforma política deveriam ser aprovadas.

Uma coisa parece certa: Se ficar confinada ao Congresso Nacional e depender apenas disso para ser aprovada,  a possibilidade de uma reforma política  ampla é remota. A perspectiva é a de que só apareça em cena em alguma crise e sejam aprovadas, se for, apenas alguns itens pontuais. Como disse Lucio Rennó “os que estão ganhando dificilmente irão mudar as regras do jogo para algo que seja incerto. Assim sendo, os que têm capacidade de realizar reformas, também não adotarão medidas cujos resultados sejam incertos, reduzindo o alcance e a profundidade da reforma”(“Reforma política no Brasil: realizadas e prováveis”) ou como disse Nicolau Maquiavel: “Nada mais difícil de executar, mais duvidoso do que início a uma nova ordem de coisas. O reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem e apenas defensores tépicos dos que lucrariam com a nova ordem”.

Em síntese, não creio que o histórico  no Congresso Nacional  autorize a ter expectativa da implementação de uma ampla e necessária reforma política. A lógica que preside as tentativas de alterações legais em relação à reforma política  tem sido ao longo do tempo e acima de tudo, a das conveniências pessoais, dos arranjos nos bastidores e não, como seria desejável, visando o fortalecimento dos partidos políticos e a correção das distorções do sistema de representação.

*Homero de Oliveira Costa, prof. de ciência política da Universidade Federal do Rio Grande do Norte 

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