“O orçamento da saúde está sendo engolido pela política econômica do governo federal”

03/03/2012 14:11

Para o professor de Economia da Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, Áquilas Nogueira Mendes (foto), o poder público não prioriza seu sistema universalizado de atendimento à saúde, o SUS. O corte no investimento em saúde pelo governo federal em R$ 5 bilhões, anunciado no Orçamento 2012, coloca em evidência a gestão da saúde pública no Brasil. O corte de verbas – que totaliza R$ 55 bilhões – ocorre para o pagamento dos juros da dívida pública.

A regulamentação da Emenda 29, sancionada em janeiro deste ano, é outro tema polêmico. O texto estabelece percentuais mínimos de recursos para a saúde. Para a União, o valor é o mesmo do exercício anterior – variando de acordo com o Produto Interno Bruto (PIB). Já os estados aplicam 12% da arrecadação de impostos, e os municípios 15%. Estimativas apontam que a medida poderá injetar de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões na área. O que não resolveria os graves problemas da saúde pública, segundo especialistas e militantes sociais.

Para o professor de Economia da Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, Áquilas Nogueira Mendes, em entrevista à Radioagência NP, essas medidas refletem o descaso do poder público com seu sistema universalizado de atendimento à saúde, o SUS (Sistema Único de Saúde). Segundo ele, “o orçamento da saúde vem sendo engolido pela política econômica do governo federal”, a mesma dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula.

Radioagência NP: Como a saúde pública está sendo afetada pelos cortes de investimento do Estado brasileiro?

Áquilas Nogueira Mendes: Na realidade ela vem sendo afetada diretamente há muitos anos, dado que a política de contingenciamento para manutenção do superávit primário tem sido recorrente desde 1995, mantida desde o governo Fernando Henrique [Cardoso] e, sobretudo, nos governos Lula. Isso tem inviabilizado a área da saúde. Muito se anunciou que o orçamento deste ano para o Ministério da Saúde havia tido um crescimento substantivo em relação ao ano passado, porém, se olharmos a inflação e este corte agora, na realidade ficou-se na mesma. Gastamos em média 4% do PIB – o governo federal mantém somente 1,7%, os outros são estados e municípios. Oorçamento então – como tem tido vários cortes – no fundo não tem refletido no aumento do compromisso da União nos recursos com a área da saúde. O orçamento da saúde vem sendo engolido por essa política econômica do governo federal, que não é de hoje.

Radioagência NP: Como fica a questão da Emenda 29 dentro desse quadro?

ANM: Nós ficamos onze anos para aprovar a regulamentação da Emenda Constitucional 29. O básico disso era mudar o método de cálculo para aplicação da União. No fim desses 11 anos, ela foi aprovada e agora em janeiro saiu a lei 141/2012, que na realidade não se alterou o método de cálculo da União. Ficou o anterior: a variação nominal do PIB. Isso aí tem gerado muitos problemas, não tem ocasionado em um aumento de recursos e dá problema inclusive na fórmula do cálculo. As entidades da saúde queriam outra base de cálculo, o projeto que estava no Senado era outro, era um projeto que pressupunha uma aplicação da União de 10% da receita corrente bruta.

Radioagência NP: Quais as áreas da saúde pública mais afetadas em função dos cortes de recursos?

ANM: O grosso do orçamento da Saúde vai para a média e a alta complexidade, que é toda a parte de exames e que leva em consideração procedimentos em hospitais. O segundo item considerado é o de recursos para a atenção básica, que são direcionados às cinco clínicas gerais básicas de saúde. O recurso que foi direcionado para [os procedimentos de] alta complexidade e a atenção básica já deixava a desejar em relação ao necessário. Então, o corte vai afetar também aquilo que já faltava para essas áreas.

Radioagência NP: Com menos investimentos do governo na saúde pública, a saúde privada acaba se fortalecendo?

ANM: A ausência de gastos públicos no país pressupõe que o gasto privado vem aumentando. Em nosso país, em 2009, se gastou com saúde privada 52% [de todos os gastos com saúde], enquanto a saúde pública, 48%. Em um país com um sistema universal de saúde como o nosso, o gasto público chega a beirar 80% do total. Nós temos 190 milhões de brasileiros, que praticamente 150 milhões não têm plano privado de saúde. Então, a importância do gasto público é fundamental, no SUS [Sistema Único de Saúde]. Mesmo aqueles 40 milhões que têm plano privado utilizam o SUS. Porque o plano privado na hora da alta complexidade, o plano não cobre porque ele diz ser muito caro. Então veja a perversidade da ausência do investimento público na relação com o gasto privado. É muito comum pessoas com câncer de pulmão que tem plano privado, mas que na hora de precisar usar uma quimioterapia mais sofisticada tem que dar entrada no SUS, e o SUS paga [o tratamento].

Radioagência NP: Quanto o Estado deixa de arrecadar com as isenções fiscais na área da Saúde?

ANM: Nós temos vários gastos indiretos do Estado. Na área da saúde, as despesas com imposto de renda da pessoa física – isenção com despesa médica -; imposto de renda pessoa jurídica; das entidades sem fins lucrativos que têm isenção no imposto de renda, como [os Hospitais] Sírio-Libanês e Einstein; e, também, a indústria farmacêutica com isenção em medicamentos. Se nós somarmos essas isenções, os dados que temos estimados de 2011, chegou a R$ 15 bilhões. O fato de isentar isso, é o Estado dando isenção ao privado. Logo, se o Estado isenta ele tem que cobrir os recursos. Ele no fundo está subsidiando o privado.

De São Paulo, da Radioagência NP, Vivian Fernandes.

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