Reforma política feita por velhas raposas

23/02/2011 19:45

  Por Bruno Alves, de Campinas (SP)*

• O tema da reforma política retornou à pauta na agenda do Congresso Nacional, no discurso da presidente Dilma Rousseff, na abertura do ano legislativo. O senador José Sarney lançou, nesta quarta, 23 de fevereiro, a comissão do Senado responsável pelo tema, com a presença dos ex-presidentes Fernando Collor e Itamar Franco. Isso mais parece piada de mau gosto. Ora, as raposas que mandam no galinheiro querem mais controle ainda sobre o mesmo. Qual a legitimidade do Senado Federal para discutir qualquer tema?

Este parlamento não representa a vontade do povo. Aumenta seus próprios salários e mantém o salário mínimo na miséria. O processo eleitoral no Brasil está longe de ser democrático. Mas as mudanças que se ventilam são algo que tende a piorar muito a situação. Desenhando-se um profundo ataque às organizações de esquerda. Como principais eixos destes ataques destacam-se a Cláusula de Barreira e o Voto Distrital.

Já existe no Brasil o coeficiente eleitoral, que restringe a entrada de determinados partidos no parlamento. Mas pretende-se criar a cláusula de barreira, que limitaria o número de partidos capazes de eleger parlamentares para apenas os que obtivessem mais que 5% dos votos nas eleições legislativas. Isso significa manter apenas os grandes partidos e jogar os demais na ilegalidade na prática.

Um dos principais temas postos no debate é a ideia de eleição majoritária para o parlamento, o chamado voto distrital. Quando no Brasil vigorou tal modelo, no período Imperial, os deputados eram as chamadas “celebridades de Aldeias”, tendo sido tal modelo fundamental para a criação do coronelismo. Tal modelo, também chamado de distrital, consiste em dividir os estados pelo número de deputados que o mesmo tem direito, de modo que tal divisão territorial, pelo número de eleitores, formaria os distritos. O deputado que obtiver mais votos em determinado distrito estaria eleito.

Os que defendem tal modelo afirmam que com isso o eleitor estará mais perto do elegido. Tal argumento é absolutamente falso. No estado de São Paulo, por exemplo, apenas a capital terá mais de um distrito. Todas as demais cidades terão de agrupar-se para formar um distrito. Nas cidades de interior, será possível ver a junção de cerca de dez a trinta cidades para formar um único distrito. A cada eleição, os distritos poderão ser reagrupados e divididos, e tais divisões poderão facilmente se dar por conveniência para evitar que tal ou qual partido eleja ou deixe de eleger seus deputados.

Nas eleições dos EUA, em 2000, o democrata Al Gore obteve cerca de 500 mil votos a mais que George W. Bush. Todavia, o eleito foi o republicano. Num determinado colégio eleitoral, na Flórida, onde seu irmão era governador, houve uma série de denúncias de fraudes. Por uma diferença de poucas centenas de votos o republicano obteve todos os delegados deste Estado. A questão foi para a Suprema Corte, e foi decidida por ministros indicados por George Bush (pai). Este é só um exemplo de como o voto distrital pode gerar uma distorção da vontade do eleitor.

No Parlamento, pela lógica de divisão de poderes do Estado burguês, deveria prosperar o espaço para as oposições e as ideias que conjunturalmente sejam minoritárias, mas que existem na sociedade. Na medida em que se exigem cláusulas de barreira, excluem da representação política os partidos de esquerda, que são críticos ao regime. A democracia burguesa é só uma formalidade.

Quando se fala contra os chamados partidos de aluguel nunca se poderia esquecer o PMDB. Lênin chamava o parlamento de balcão de negócios da burguesia. O PMDB é a maior expressão disso. Desde 1985, o PMDB é governo. O atual vice-presidente era apoiador de FHC. Este modelo de reforma política, com voto majoritário para parlamentar, vai beneficiar exatamente o PMDB, por isso é proposto por Sarney e Temer.

O Superpoder do TSE
Montesquieu criou a divisão dos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Dom Pedro criou o “Poder moderador”, que se colocaria acima dos três poderes. Essa concentração de poderes é antidemocrática por natureza, pois é um Poder que surge sem o controle da população.

O TSE, na prática, surge como se fosse um “Poder Moderador”, a cada quatro anos. O TSE, de fato, legisla através de resoluções. É o executivo, pois cabe ao TSE a administração das eleições e, evidentemente, julgar. Ou seja, criam leis e julgam, e quando convém interpretam como as querem. Sete ministros assumem completamente os rumos da chamada democracia no Brasil. Para se falar de qualquer reforma, é necessário acabar com o TSE na forma como existe hoje, sem nenhum controle dos trabalhadores e com tantos poderes concentrados.

Quem paga a banda escolhe a música
O financiamento de campanha é um problema grande. A lei permite que grandes empresas financiem campanhas eleitorais. As empresas que mais ganham com o PAC são as doadoras do PT, assim como o banqueiro Daniel Dantas. Tais empresas doam tanto ao PT quanto aos tucanos.

O financiamento público seria preferível. Entretanto, os critérios têm de ser claros, pois pode-se ter com tal forma de financiamento um meio de perpetuar as coisas como estão. Quando se financia apenas proporcionalmente ao número de votos obtidos nas eleições anteriores, se cria um quadro em que os partidos que estão aí tendem a ficar como estão, sem margem para mudanças de fato.

Outra forma de financiamento, mais sutil, é a propaganda eleitoral promovida pelas emissoras de TV. Elas fazem a cobertura jornalística que bem entendem, privilegiando os candidatos do seu interesse, como ocorreu no debate da Globo, em 1989, que privilegiou Collor. Essa manipulação da mídia distorce os resultados eleitorais. Na lei portuguesa, por exemplo, se exige que a cobertura dos meios de comunicação seja distribuída de forma equilibrada entre os partidos, sem que nenhum seja privilegiado como ocorre no Brasil. Esta seria uma forma de evitar a manipulação. Com isso, todos os partidos deveriam ter garantido acento nos debates eleitorais, por exemplo.

Portanto, esta reforma que se propõe vai gerar muito mais distorções e tornar o sistema político do Brasil muito menos representativo da vontade dos trabalhadores do que já é atualmente. Se esse congresso nada representa da vontade popular, ainda podem criar um modelo pior ainda.

*Bruno Alves É REDATOR DO JORNAL OPINIÃO SOCIALISTA

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