Por um décimo e cinco minutos
Um forte jato de sangue irrompeu inesperadamente da jugular de Gumercindo, conhecido professor aposentado que, durante décadas, lecionou de forma bastante rígida em uma escola municipal. Vê-lo morto na cadeira do barbeiro chocou muita gente.
Naquele dia, o trânsito ruim atrasou em cinco minutos a chegada de Gumercindo à barbearia. Não encontrou Ludovico, responsável há mais de vinte anos pelos retoques em seu elegante cavanhaque. Ludovico saíra exatamente cinco minutos antes do ex-professor chegar.
O noivado da neta, no entanto, fez Gumercindo aceitar a sugestão de ser atendido por Genário, o Gena. E para Gumercindo era impensável ir a evento tão importante com a barba por fazer.
Gena, novato na barbearia, era um sujeito “um tanto tímido, de pouca conversa”, nas palavras do dono do estabelecimento. E já era tido também como bom profissional.
Ao sentar-se na cadeira e contemplar rapidamente pelo espelho o rosto de Gena, Gumercindo teve sensação estranha, associada à ideia de que pudesse estar diante de alguém já conhecido. Relaxou em seguida e deixou seu rosto aos cuidados de Genário.
Gena usava a navalha com delicadeza. E seguia rigorosamente os comandos do exigente ex-professor. Pouco tempo foi suficiente para que desse o trabalho por concluído. Mas Gumercindo acrescentou, como se estivesse em sala de aula: “Está quase no ponto, mas ainda não é desse jeito”.
Na delegacia, Genário, calmo, declarou apenas que Gumercindo o reprovara por um décimo no fundamental. E que isso não mais iria ocorrer.