Por um décimo e cinco minutos

14/06/2015 09:06

Um forte jato de sangue irrompeu inesperadamente da jugular de Gumercindo, conhecido professor aposentado que, durante décadas, lecionou de forma bastante rígida em uma escola municipal. Vê-lo morto na cadeira do barbeiro chocou muita gente.

Naquele dia, o trânsito ruim atrasou em cinco minutos a chegada de Gumercindo à barbearia. Não encontrou Ludovico, responsável há mais de vinte anos pelos retoques em seu elegante cavanhaque. Ludovico saíra exatamente cinco minutos antes do ex-professor chegar.

O noivado da neta, no entanto, fez Gumercindo aceitar a sugestão de ser atendido por Genário, o Gena. E para Gumercindo era impensável ir a evento tão importante com a barba por fazer.

Gena, novato na barbearia, era um sujeito “um tanto tímido, de pouca conversa”, nas palavras do dono do estabelecimento. E já era tido também como bom profissional.

Ao sentar-se na cadeira e contemplar rapidamente pelo espelho o rosto de Gena, Gumercindo teve sensação estranha, associada à ideia de que pudesse estar diante de alguém já conhecido. Relaxou em seguida e deixou seu rosto aos cuidados de Genário.

Gena usava a navalha com delicadeza. E seguia rigorosamente os comandos do exigente ex-professor. Pouco tempo foi suficiente para que desse o trabalho por concluído. Mas Gumercindo acrescentou, como se estivesse em sala de aula: “Está quase no ponto, mas ainda não é desse jeito”.

Na delegacia, Genário, calmo, declarou apenas que Gumercindo o reprovara por um décimo no fundamental. E que isso não mais iria ocorrer.

Por João Paes

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