O Perfume, o mais espetacular desfecho da literatura e cinema

30/10/2015 11:03

Por Landim Neto*. O título que dá nome a este artigo pode conter algum exagero ou mesmo injustiça. Afinal, não há quem dê conta de investigar tantos romances e filmes produzidos nos últimos cinquenta ou mesmo, vá lá, dez anos. Daí que, eleger um livro ou filme que contenha "o mais espetacular" desfecho da literatura e cinema é mesmo só um caso de predileção.

Predileção ou pesquisa apurada, contudo, não permitem esconder que o best seller do escritor Alemão Patrick Süskind tem, seja em sua versão original (livro, 1985) ou na adaptação  para o cinema (2006), um desfecho espetacular. A narrativa chega a ser arrastada, meio cansativa. Mas, quem consegue ir até o final é presenteado com uma sequência de cenas que podem surpreender até o mais arguto dos leitores ou o mais experiente dos cinéfilos.

Perfume, a história de um assassino (título do filme) tem no centro de seu enredo Jean-Baptiste Grenouille, interpretado no cinema pelo ator Ben Whishaw, que também atuou em "Tempestade" e "007 - Operação Skyfall - Q".

Grenouille nasceu e viveu de forma miserável, sem o amor de qualquer pessoa e marcado por um incomum paradoxo, na fétida França do século XVIII. Ao tempo em que tinha um olfato poderoso, capaz de distinguir na natureza os odores mais sutis, ele próprio veio ao mundo sem qualquer cheiro.

Quando se descobriu nessa contradição, decidiu criar para si, de forma obstinada, uma espécie de perfume único, aromaticamente perfeito, capaz de fazer com que as pessoas também o sentissem. Sentissem a ele, Grenouillhe.

Com a ajuda de Guiseppe Baldini (Dustin Hofman, no cinema), um velho e decadente perfumista francês, Grenouille aprendeu as regras básicas da perfumaria. Daí em diante, encarnou um frio serial killer.  Assassinou vinte e quatro belas jovens (no cinema, apenas doze), escolhidas seletivamente, e extraiu de seus corpos os cheiros, as notas certas que, combinadas de forma meticulosa, dariam vida ao seu “mágico” perfume, produto miraculoso capaz de levar as pessoas a um estado de êxtase e elevação nunca visto, algo impensável até para os dias atuais.

Perseguido por seus crimes, Grenouille é preso e condenado à execução sumária em praça pública, em um palco a ser construído com exclusividade para o grande evento. A sentença era para que fosse desconjuntado através de doze milimétricas porretadas, dadas com uma barra de ferro por Monsieur Papon, um brutamontes, até morrer, lentamente, com o rosto virado para o céu.

Chega o dia da execução, primeira parte do desfecho. É aí que inicia o espetáculo. Marcada para as cinco da tarde, já pela manhã chegam os primeiros espectadores. Todos querem garantir os melhores lugares, tal como numa final de copa do mundo ou show de algum mega star.

Rapidamente, dez mil pessoas se juntam no local, espremidas umas nas outras. Velhos, jovens, homens, mulheres, crianças, anciões. Muitas sobem em árvores, muros e telhados. Ninguém quer perder nada das cenas que esperam ver. Comerciantes fazem bons negócios. Come-se e bebe-se à espera da grande degola do monstruoso assassino.

Às quatro da tarde, a tribuna começa a se encher. Personalidades, ricos cavalheiros, belas damas, magistrados, bispo... Só gente “fina”.

Quando Grenouille desce de uma carruagem, sem algemas, bem vestido, acompanhado do delegado de polícia e alguns lacaios, e dirige-se serenamente como um homem livre ao local da execução, uma espécie de milagre começa a ocorrer. Ele já está impregnado com o seu poderoso perfume.

Ao aproximar-se do palco e do carrasco que iria esmigalhá-lo, este simplesmente treme as pernas, ajoelha-se e, balbuciante, exclama: “Este homem é inocente, este homem é inocente”.

O bispo da cidade (David Calder, no cinema), uma das figuras mais conservadoras e hipócritas do lugar, passa a se contorcer e movimentar a cabeça para frente em gestos estranhos. Expressa, na verdade, um gozo, um orgasmo profundo que passa a ter, uma espécie de êxtase religioso que só se consegue possivelmente quando se está diante de Deuses.

Grenouille, elegante e majestosamente, faz saudações à plateia, que já o contemplava tal qual um fervoroso ateu que, de repente, se percebe diante de Jesus Cristo. Em seguida, também na versão do cinema, o até então serial killer pega o pequeno frasco que continua o seu perfume, passa suavemente mais um pouco no rosto, embebe umas gotinhas em um lenço e o atira à massa antes bastante enfurecida. Delírio total.

O furor, o ódio e o sentimento de vingança cedem a um estado de paz e elevação espiritual. E a multidão, quase em uníssono, passa a gritar: “É um anjo, é um anjo”.

A partir daí todos se despem, literalmente, de hipocrisias, pudores e sentimentos repressivos. Homens começam a se beijar. Velhos transam com virgens. Ricos copulam com pobres. Mulheres se acariciam, se descobrem, se amam... Um cheiro de suor e sexo toma conta do ar, na mais espetacular cena de lascívia e gozo coletivo que a história ou a ficção já conheceram.

Grenouille contempla a tudo parado, como que satisfeito pelo resultado mágico alcançado pelo perfume que criara. Mas decide ir embora, pois sabe que as reações que presenciara não eram por causa dele Grenouille, mas sim consequências de seu perfume. Não era amado, portanto, como nunca foi. Sabia disso.

Decide então voltar para o local em que nascera, com o resto de perfume que sobrara. Ao chegar, derrama o frasco no corpo e aproxima-se de um grupo de pessoas, formado por mendigos, prostitutas e ladrões que se reuniam nas imediações de apodrecidos mercados e do fétido Cimetière des Innocents, em busca de comida.

Como que embriagado pelo cheiro do perfume, o grupo cerca Grenouille, tira suas roupas e o devora. Terminada a refeição, todos se sentiram leves, eufóricos e felizes. Pela primeira vez, como indica a cena final do best seller de Patrick Süskind, desvalidos fizeram algo por amor.

*Landim Neto é editor do Dever de Classe

Veja o filme:

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