Crise e Transformação dos Partidos Políticos

07/03/2011 14:34

Por Homero de Oliveira Costa,  Professor Doutor de Ciência política da UFRN. 

Os partidos políticos enquanto veículos entre a sociedade civil e as instâncias governamentais, articulando e canalizando demandas e como instituições de representação são fundamentais para o funcionamento e a manutenção das democracias contemporâneas.

Estariam os partidos cumprindo estas funções? A resposta de muitos analistas é não. Hoje, a bibliografia que questiona a centralidade dos partidos políticos na sociedade moderna e analisado seu crescente descrédito, tem crescido de forma expressiva.  O diagnóstico é que os partidos são deficientes na articulação e agregação dos distintos interesses da sociedade e que já não são representativos.

Entre muitos estudos que analisam estes aspectos, destacamos dois: o de Martin Wattenberg (“Partidos sem participantes”, Oxford University Press, 2000) e Mark Gray e Mike Caul no artigo “Declínio dos votos em democracias industriais avançadas: 1950-1997”. Os autores, embora não neguem a importância dos partidos e reconheçam que é um requisito fundamental nas democracias representativas, constatam que existe hoje uma crise de representação política e um declínio acentuado dos partidos, com decrescentes níveis de filiações. Isso ocorre não apenas nas democracias mais recentes (como a maioria dos países latino-americanos), como também nos países europeus, com democracias consolidadas.

Para Robert Putnam “pesquisas recentes nos Estados Unidos e no Brasil revelam uma desilusão com partidos e políticos, uma tendência que parece se estender aos eleitores de outros países latino-americanos, da Europa, do Japão e da Índia”. (“Capital social e democracia”, disponível em https://www.braudel.org.br).

Portanto, se há consenso quanto à importância dos partidos para a democracia, que apesar de tudo, continuam detendo o monopólio da representação e a constituição dos governos, mantendo assim importante papel institucional, parece inegável que no plano mais geral, atravessam uma crise - que é, também, uma crise de representação –, em que suas funções de intermediação entre Estado e sociedade têm diminuído e sua centralidade sistematicamente questionada.

Um dos estudos pioneiros em que constata a transformação dos partidos é o de Clauss Offe “A democracia partidária competitiva e o Welfare States Keinesiano: fatores de estabilidade e desorganização” (Revista Dados, vol26, n.1, 1983). Para ele, as estruturas partidárias têm se transformado em verdadeiras “máquinas eleitorais”, em que a conquista do poder político leva à “desradicalização” ideológica e à indistinção programática, resultando, entre outros aspectos, na ampliação das alianças eleitorais, muitas vezes entre partidos sem qualquer afinidade programática e ideológica. Tais características certamente contribuem para o descrédito dos partidos.

 Roberto Valdés num artigo em que analisa a crise dos partidos e a legitimidade democrática (“Ley de bronce, partidos de hojalata: crisis de los partidos y legitimidad democratica en la frontera del fin de siglo” (l996) analisando os sintomas da crise das organizações partidárias na Europa, afirma que as múltiplas expressões da progressiva desconfiança social em relação aos partidos políticos constituem um fato incontestável e que “A desconfiança social em relação às organizações partidárias estão hoje bem à vista. Começando pelo que resulta ser, sem dúvida, a mais transparente, por ser, obviamente, a mais elementar: a desconfiança referida tem generalizado uma crescente apatia da opinião pública a respeito das forças políticas tradicionais que vêm conformando os mais importantes sistemas de partidos europeus, apatia cujas manifestações essenciais têm se concretizado em um descenso lento, porém generalizado, da participação eleitoral”.

 Outro importante estudo é de Otto Kircheimeir, que tem analisado as transformações dos sistemas partidários na Europa ocidental e num influente estudo sobre os partidos, em que analisa sua evolução desde o século XIX, usa o conceito de “partido pega-tudo” (catch-all-parties) para assinalar o “ápice” desse processo, a partir dos anos 1980.  Para o autor, o grau de complexidade e fragmentação da sociedade leva os partidos a se burocratizarem e abandonarem suas posições de classe (característica do período inicial) para formularem propostas difusas, em nome de “todo o povo”, cujo objetivo é unicamente a conquista do poder.

             Não tem sido isso o que também se observa na América latina e no Brasil em particular?  Diferente da Europa, não tivemos partidos verdadeiramente de massas, ideológicos e programáticos, que caracterizaram as democracias européias, no início do século XX e que se transformaram especialmente a partir dos anos 1980, se constituindo, portanto em apenas uma etapa historicamente superada. Os grandes partidos se transformaram em meros “escritórios eleitorais”, que mobilizam seus filiados e/ou simpatizantes apenas durante os períodos eleitorais, visando somente seus deslocamentos às urnas.

O que se constata é, assim, uma acentuada desideologização dos partidos; perda do peso político dos filiados e o declínio acentuado do papel da militância política de base.

PERFIL DO AUTOR:

Homero de Oliveira Costa é professor de ciência política da UFRN. É lotado no Departamento de Ciências Sociais e também é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (mestrado e Doutorado) da UFRN. É formado em Ciências Sociais (habilitação em política), e fez mestrado na Unicamp (ciência política) e doutorado em Ciências Sociais (Área de Política) na PUC-SP, onde esteve recentemente ministrando aulas no Programa de Pós-Graduação. É autor dos livros: A insurreição comunista de l935: Natal, o primeiro ato da tragédia. Editado pela Ensaio (SP) e contou com apoio da Cooperativa Cultural do RN; Reforma Política e outros ensaios (Sebo Vermelho), Democracia e Representação política no Brasil (Sulina/RS) e Dilemas da representação política no Brasil (Editora da UFPB), além de artigos em revistas acadêmicas, colabora com a imprensa local, escrevendo artigos periódicos.

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