"Bregas mas nem tanto"

29/01/2011 17:51

 O jornalista e historiador Paulo Cesar de Araújo pesquisou durante sete anos a história da chamada música cafona (ou brega) entre 1968 e 1978 – os anos de chumbo da ditadura militar no Brasil. Queria descobrir por que artistas como Odair José, Benito Di Paula e Agnaldo Timóteo foram ignorados por estudos e livros sobre o período e marginalizados na história cultural do país. Constatou que os chamados cantores cafonas, que embalavam as massas mas eram abominados pelos intelectuais, foram quase tão vitimados pela censura quanto Chico Buarque ou Caetano Veloso. No livro Eu Não Sou Cachorro, Não, título extraído de um grande sucesso de Waldick Soriano, o historiador tenta fazer justiça a esses ídolos populares.

Todo dia a gente ama
mas você não quer deixar nascer
o fruto desse amor (...)
Pare de tomar a pílula
porque ela não deixa nosso filho nascer
Pare de tomar a pílula pois ela não deixa sua barriga crescer.

ODAIR JOSÉ,
'Uma Vida Só (Pare de Tomar a Pílula)', de 1973

A música foi proibida por ter sido lançada quando o governo fazia programas de incentivo ao controle de natalidade entre as populações pobres, apesar da posição católica contrária ao uso de anticoncepcionais. Para os censores, a canção de Odair José representava uma conclamação à desobediência civil e uma referência explícita à sexualidade.

'A maioria dos trabalhos sobre música brasileira trata da tradição, como o folclore nordestino, e da modernidade, como o tropicalismo', diz o escritor. 'O brega não é nem uma coisa, nem outra. Caiu no limbo.' Araújo faz uma ressalva: não há análise da qualidade da produção no livro. 'A idéia é mostrar que os também tiveram importância na história de nossa cultura', diz o autor. Odair José foi um dos mais censurados durante o governo Médici (1969-1974). Dele foi barrada, por exemplo, 'Uma Vida Só (Pare de Tomar a Pílula)'. Diante de um militar, segundo o relato do próprio autor, ele teria dito: 'Poxa, general, pílula é uma coisa normal. O senhor permite a proposta gay do Secos & Molhados e não permite que eu faça uma proposta de homem. O senhor é gay?'

Eu quis gritar seu nome e não pude (...)
O que foi que fizeram com ele?
Não sei
Só sei que esse trapo, esse homem
Foi um rei

BENITO DI PAULA, 'Tributo a um Rei Esquecido', de 1974

Benito fazia uma homenagem a Geraldo Vandré, autor de 'Pra não Dizer Que não Falei das Flores' – canção-símbolo da luta contra a ditadura, censurada em 1968. Naquele mesmo ano, Vandré fugiu para o Chile. Voltou preso, em 1973. Um ano depois, a lembrança cantada pelo admirador também acabou proibida.

Como ele, foram censurados Waldick Soriano (que teve discos queimados depois de declarar que Jesus Cristo era um enganador), Benito Di Paula, Dom & Ravel e Wando. 'Esses artistas eram patrulhados por questões morais', conta Araújo. O autor afirma que todos eram alienados das questões políticas. Perguntado sobre o Ato Institucional número 5, Agnaldo Timóteo, que já foi deputado pelo PDT, disfarçou: 'Em que ano foi isso mesmo?' Nelson Ned disse que o AI-5 teve tanto impacto em sua vida quanto a chegada de uma sonda a Marte.

Beatriz Velloso, editora de cultura da Revista Época

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